Angola à frente da África do Sul



Hoje, há eleições em Angola. Cada eleição é um desafio para os que concorrem, uma oportunidade para os que triunfam, uma expectativa para os que observam, uma esperança para os cidadãos. Angola, apesar das decepções passadas, não é excepção. Estou certo de que, em toda a lusofonia, todos torcemos por que as eleições corram bem. Não sou excepção. Desejo muito que as eleições corram bem. Angola precisa, os angolanos merecem.

Vai distante o ciclo terrível da guerra civil. Durou 27 anos. Angola vive em paz há 20 anos. Podia ter ido já mais longe, se tivesse um sistema político aberto, que não favorecesse um sistema económico assente no modelo extractivista e na concentração da riqueza nos círculos do poder.

As eleições de 2007, 2012 e 2017 foram manchadas por fraudes. Hoje, são as primeiras preparadas pelo governo de João Lourenço. A primeira curiosidade, nacional e internacional, é sobre serem limpas, transparentes e justas. A segunda é sobre os resultados e o que se seguirá.

Angola precisa muito de abertura e descentralização. São factores fundamentais para o desenvolvimento, a distribuição da riqueza, o progresso humano e social em todo o país e acabar com os actuais níveis calamitosos de pobreza.

Angola tem formado quadros em diversas áreas, tem um naipe importante de dirigentes de primeiríssima água em Universidades, no Estado e em grandes empresas, no MPLA, na UNITA e noutros partidos, tem preparado jornalistas aptos a uma informação de qualidade – tudo à espera de um quadro mais aberto e livre, dinâmico e ávido de realizar.

O maior fracasso político deste último quinquénio foi a não realização das eleições autárquicas. É a grande omissão da política angolana desde a independência. É importante realizá-las em simultâneo em todo o país – sem medo, com determinação e boa preparação. As eleições locais são o factor que falta para a maturidade democrática angolana. Em Portugal, ganhámos imenso em tê-las feito logo em 1976, no mesmo ano das legislativas.

As eleições locais levam a democracia à base, são a democracia de proximidade. Desdramatizam o ganhar ou perder – não são eleições de “tudo ou nada”. Calam de vez o eco dos tambores da guerra, que ainda soam (embora já baixinho) no único confronto político nacional das legislativas e presidenciais entre os dois grandes partidos. As eleições locais favorecem a cooperação entre partidos na administração local – são factor de coesão. Enfim, descentralizam e desconcentram, factores decisivos para as próximas décadas. Fala-se muito, há demasiados anos, de diversificação da economia em Angola. Sem administração local democrática, esqueçam! – será mais difícil ou impossível. É preciso abrir mão, deixar a liberdade respirar.

Angola tem de andar depressa na democratização da administração do vasto território. Daqui a 27 anos (o tempo que foi o da guerra civil), Angola terá 77.420.000 habitantes, segundo as projecções demográficas das Nações Unidas para 2050 (medium variant), acima do dobro de hoje. E superará a África do Sul, que ficará nesse ano nos 75.518.000. Há, aqui, uma grande oportunidade. Para o poder angolano, uma enorme responsabilidade, já a partir de hoje.

A perspectiva para o final do século é ainda mais desafiante. Em 2100, Angola terá 188.283.000 habitantes: amplia e consolida a vantagem sobre a África do Sul, que terá nesse ano uma população de 79.191.000. Proeza maior, Angola será, em 2100, o maior país lusófono, o maior da CPLP, ultrapassando o Brasil, que não terá mais de 180.683.000 cidadãos.

A estrada de Angola para as próximas décadas é clara; resta saber como vai percorrê-las. Precisa urgentemente de uma nova cultura do poder político e do poder económico, uma cultura aberta para todos, que tire proveito dos seus quadros. É urgente desenvolver o potencial agrícola e industrial do país, repovoar o território, banhar de progresso e atractividade as províncias do interior. Democracia, descentralização, desconcentração, proximidade, participação, abertura, iniciativa, modernização são alavancas do sucesso. Se as adoptarem, não há razão para os angolanos não aspirarem a ter, em todo o país, no fim do século, os padrões de vida europeus e, em larga medida, a partir de 2050.

É preciso começar. Oxalá a partir das eleições de hoje.


José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 24.Agosto.2022

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