O interior é a nova praia

 

Na última MAIS ALENTEJO, a crónica do Francisco Palma levava este título: “Afinal, onde é o interior?” Com variações em torno da pergunta, mostrava perplexidade sobre o peso da questão em muitos debates. E, na verdade, é estranho vermos “interior” num país que, olhado em perspectiva europeia, é todo ele “litoral”. A fronteira com Espanha, em linha recta, nunca chega a distar 250 km da costa ocidental, estando, em geral, a 150-200 km.

Porém, é claro que temos um “interior” e até o que chamo “interior do interior”: territórios que são mais isolados e mais vulneráveis dentro das regiões onde se inserem. Tomemos o caso de Pedrógão Grande, protagonista de uma das maiores tragédias do nosso tempo. É um território empobrecido, em quebra demográfica, com pouca atractividade e acentuado envelhecimento. Não difere muito de outros nos confins dos distritos de Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre ou Beja. Mas está apenas a 88 km por estrada da Praia do Pedrógão, na costa, cerca de 75 km em linha recta. Estranho “interior”, na verdade. Mas bem real para quem lá vive – e quem parte, em busca de vida melhor.

 

 

Há muitos anos que alerto para os problemas do “interior”. Esse interesse intensificou-se em 2002/05, quando fiz muito trabalho político, pelo CDS, no distrito de Portalegre. Pouco depois, Presidente do CDS (2005/07), tentei colocar a questão na agenda política nacional. Sob minha liderança, organizámos três “Jornadas do Interior”, em Bragança, em Castelo Branco e em Portalegre, para focar a atenção nos desafios e nas respostas. Não consegui.

Na mesma altura, ainda a partir de Portalegre, procurei animar o que chamei de “Novo Alentejo” – houve mesmo um blogue. A ideia era simples: por um lado, constatar que estava ultrapassada a confrontação aguda que marcara a Reforma Agrária e anos seguintes; por outro, verificar que as novas gerações, 30 ou 40 anos depois, aspiravam, em comum, a nova dinâmica empresarial na região, capaz de aproveitar todas as potencialidades, gerar riqueza, criar emprego, fixar e atrair população, afirmar a marca Alentejo. Isto também responderia ao “interior” alentejano. 

O blogue e o lema não tiveram quem lhes pegasse, mas o “Novo Alentejo” está aí. Vemo-lo em muitos sectores. Embora falte sentido estratégico por parte do Estado para o levar mais longe, desde vencer os impasses crónicos do Norte Alentejano a realizar a ambição na ferrovia, nos portos e no aeroporto.

 

 

O “interior” é, em boa medida, um problema mental, um problema psicológico.

Desde logo, o que há pouco referi na experiência como líder do CDS. O sistema ouve falar do “interior” e lamenta a sua sorte. Por vezes, jura ir responder, mas não faz nada de relevante. Tudo continua fundamentalmente na mesma, de ciclo em ciclo. Os governos não são capazes de alterar, estrategicamente, as dinâmicas que geram o empobrecimento, o isolamento, o atraso relativo dessas regiões do país.

Há, em segundo lugar, outra faceta, uma verdadeira armadilha mental. O “interior” só é “interior” porque lhe viramos as costas, fixados sempre e só no litoral. Por isso, vemo-lo como “interior”. Mas realmente já não é “interior”. O que chamamos “interior” é a nova praia, a nova frente de desenvolvimento do país.

É pelo “interior” que transitam, entrando ou saindo, 80% das nossas trocas comerciais. São feitas com a Europa, por estrada ou por caminho-de-ferro. E é também por aí que entram e saem largas dezenas de milhar de pessoas por ano. O “interior” ficou na nossa cabeça como uma rectaguarda, um daqueles sótãos das casas antigas, onde guardamos velharias e raramente vamos ver o que lá há. Mas a realidade não é mais assim.

Mal a sociedade e o Estado assimilem a nova realidade, os problemas do “interior” dissipam-se de imediato. A faixa de Montalegre/Vinhais a Alcoutim ganhará extraordinária vitalidade, assim como todos os territórios adjacentes. É por aí que circula o progresso.

Portugal nunca abandonará o litoral, que é importantíssimo. Mas o “interior” é a nova frente de desenvolvimento de Portugal, a frente de acesso ao mercado ibérico, a frente de comunicação com todos os mercados europeu. O “interior” é a nova praia.


José Ribeiro e Castro
Advogado

MAIS ALENTEJO, 1.Agosto.2022
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"


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