As eleições italianas e o antifascismo de opereta



O comentário mais certo ao resultado das eleições italianas é mostrar uma nova etapa na crise dos sistemas partidários europeus. Não é só em Itália. É em França, em Espanha, em Portugal, na Grécia, no Norte da Europa. Em Itália, é fenómeno antigo. Um problema sério. Desde os anos 90, o sistema partidário italiano já vai na quarta recomposição.

Vão longe os tempos do sistema estável do binómio DCI (a democracia-cristã) e PCI (os eurocomunistas de Berlinguer). O PCI acabou, após a queda do Muro. E a DCI implodiu com a operação “Mãos Limpas”, que arrastou ainda outros partidos. A estrela da primeira recomposição foi, em 1994, a Forza Italia, de Berlusconi; mas nunca se aproximou do peso da DCI, excepto na estreia do fugaz Il Popolo della Libertà, que uniu Forza Italia com a Alleanza Nazionale, de Gianfranco Fini, e pequenos partidos – entrou em declínio a partir de 2013. A estrela da segunda recomposição, à esquerda, é o Partito Democratico, preenchendo o vazio deixado por partidos clássicos da área; teve estreia prometedora, mas quebraria para votações mais baixas – tem grandes oscilações de linha e pouca estabilidade: oito líderes em 14 anos. As estrelas da terceira recomposição, em 2018, foram o Movimento 5 Stelle e a Lega Nord. Na segunda vez que concorre, o 5 Stelle alcançou a liderança nacional (33%), com Luigi di Maio. A Lega (um partido antigo de direita radical, com quota habitual de 8% ou menos), é alçado por Matteo Salvini à segunda posição nacional (17%). Porém, o acordo dos dois só durou um ano. Salvini rompe a coligação. E foi o longo enredo desta crise que desaguou nestas eleições de 2022, depois de várias carambolas e dois primeiros-ministros: Giuseppe Conte e Mario Draghi.

Agora, a estrela da quarta recomposição é o Fratelli d’Italia, de Giorgia Meloni. Depois de resultados modestos em 2013 e 2018, irrompe como o grande vencedor em 2022. Favoreceu-o a figura da líder, o discurso afirmativo e ter-se mantido fora dos acordos e desacordos de governo que marcaram os últimos quatro anos.

A esquerda europeia enervou-se muito. À medida que a vitória à direita se aproximava, os porta-vozes carregavam nas tintas da diabolização, apontando “extrema-direita” ao que era “centro-direita”. O resultado doeu-lhes muito. Em Portugal, foi notório. Já em Itália, sem prejuízo do debate, a apresentação é clara: de um lado, Coalizione di centro-destra; do outro, Coalizione di centro-sinistra. Ponto.

O Fratelli d’Italia é um partido conservador, que lidera uma coligação com a Lega de Salvini (direita radical), a Forza Italia (centro-direita) e os centristas Noi, Moderati, os últimos restos da velha DCI. É um tipo de coligação frequente. A novidade é ter ganho; e com um partido novo. Ainda por cima, liderado por uma mulher. Há peças jornalísticas a explicar que Meloni não é “fascista”, nem “neofascista”, mas que aceleram pelo “antifascismo”, como se nada fosse. E, quando escavam a agenda “fascista”, o caso fica ridículo e confrangedor. Apontam o dedo a posições de Giorgia Meloni quanto às alterações climáticas, à agenda LGBT e à imigração. Quais seriam as posições de Mussolini, o fascista, nestes temas?

A gritaria “antifascista” visa gerar intimidação e condicionamento. Em 1975, na Assembleia Constituinte, ouvia-se berrar “fascista!” contra deputados do PS, como Miranda Calha, José Luís Nunes e Lopes Cardoso, líder do grupo parlamentar, figura principal da ala esquerda do PS. É um desporto com bola de trapos que tem o risco da velha história “Pedro e o lobo”: um dia, o lobo vem mesmo e ninguém acredita, depois de tanta mentira. Além disso, a emergência de correntes mais radicais à direita é o espelho da cobertura dada às agendas da esquerda radical.

Não sabemos o que este quadro irá dar e se tem durabilidade. O futuro far-se-á de actos e factos, não de fantasmas. Só podemos desejar boa sorte a Itália, porque a sua boa sorte será também nossa. Naquela que é a dramática prioridade no presente – a guerra –, Meloni tem a posição correcta, ao lado da Ucrânia. Espero que a reforce e use o seu peso para afastar Órban de Putin.

A Comissão Europeia exprimiu-se bem: espera do governo italiano uma cooperação “construtiva”. Giorgia Meloni poderá dizer o mesmo: espera da Comissão Europeia uma cooperação “construtiva”. Vedremo.

José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 28.Setembro.2022


Comentários

Mensagens populares