Tabu n.º 3 – Olivença na História
Em 19 de Julho, na Assembleia da República, foi apresentado um livro raro: “Olivença na História”. Sem receio de errar, um livro único. Não conheço outro – muito menos, nas últimas décadas – que trate tão aprofundadamente o tema de Olivença. É uma compilação de ensaios e estudos nas perspectivas histórica, cultural, jurídica, cívica e política, escritos por diversos autores qualificados: Grupo dos Amigos de Olivença (GAO), António Ventura, Eduardo Vera-Cruz Pinto, Susana Antas Videira, Isabel Graes, Miriam Afonso Brigas, Pedro Caridade de Freitas, Gonçalo Couceiro Feio, Carlos Consiglieri, Margarida Seixas, Mário Rui Simões Rodrigues, Filipe de Arede Nunes, Carlos da Cruz Luna (que publicaria, em Agosto, um texto de opinião sobre o livro, no Diário de Notícias) e Pedro Velez. A apresentação decorreu na sala principal da Biblioteca, sob a égide da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, que coordenou a edição. O acto, seguido de convívio entre intervenientes e público, consistiu em breves intervenções do representante do GAO, do Prof. Eduardo Vera-Cruz Pinto, de mim próprio (intervindo à distância, por estar longe de Lisboa) e do Presidente da Comissão, Sérgio Sousa Pinto, que abriu e encerrou. Destaco a intervenção de Eduardo Vera-Cruz Pinto, autor de uma das mais valiosas peças do volume, onde apresenta e analisa extensamente a posição de Portugal, num texto especialmente consistente, pelos créditos científicos do autor, pelo rigor da exposição e pelo cuidadoso elenco das fontes.
Um livro com este tema, estas características e estes autores, apresentado no Parlamento, fervilhando de jornalistas, em sessão presidida pelo deputado Sérgio Sousa Pinto, seria – diria qualquer um – objecto de ampla cobertura pela comunicação social. Errado!
Se exceptuarmos a antecipação pelo Público, com uma pequena entrevista, dois dias antes, não houve uma só notícia da sessão e do livro. Está a ler bem: zero! Nem um segundo de televisão, nem de rádio, nem reportagem num só jornal, nem menção em qualquer página de informação digital. Absolutamente nada. Podemos até pensar que a antecipação pelo Público em vez de gerar procura, assustou os “poderes”, que se movimentaram em conformidade. Sou capaz de imaginar agitação nos gabinetes, nos departamentos, nos corredores, entre “oh! oh! oh!” de escândalo e “ah! ah! ah!” de irritação, para conseguir que nada fosse publicado. Assim foi. É como se um director-geral de informação, sussurrando a inconveniência, desse uma ordem seca e terminante – “Ninguém lá vai! Nem uma só linha!” – e esta fosse obedientemente seguida. Pensar-se-ia que já não há poderes assim em Portugal. O livro de Olivença mostrou que ainda há, com poder e eficiência difíceis de imaginar.
Este tabu férreo sobre Olivença é um grande problema, talvez o maior. É a cobardia da coragem: quando temos a coragem de pensar bem, assalta-nos o pavor de dizer, explicar, gerir. Assim, para não ficarmos nem mal com a História e o Direito, nem mal com os vizinhos e a conveniência, a solução é calar. E a ordem é: schiiiiu… Um tabu difuso, disfarçado, negado, mas real.
Ocupo-me deste tema desde 2010, quando presidia à Comissão de Negócios Estrangeiros e conheci os oliventinos da, então, associação Além-Guadiana. A minha reflexão conduziu-me à conclusão de que só há um caminho acessível, inteligente e equilibrado: Portugal declarar que Olivença é, para nós, território português sob administração espanhola, não implicando isto, como é próprio da fórmula, qualquer reconhecimento de iure, mas constatação de facto. A partir daí, poderemos tratar calmamente com autoridades espanholas de assuntos respeitantes a Olivença, sem receios de alegarem que estamos a reconhecer a sua soberania. E podemos sair de trás da nossa mordaça, sem aquele medo paralítico de que se zanguem e nos “punam”.
Olivença mudou de posse por acção militar, como acontece por vezes com territórios. Só por isso. Creio não passar pela cabeça de ninguém fazer o contrário. É um tema sério que respeita às pessoas e às terras. Não é bola para fanfarrões, nem para zaragata. É para caminhar. Mas não deve igualmente passar pela cabeça de ninguém negar os factos e a verdade. Não é demais que quem ocupou saiba que nós sabemos o que se passou e como.
Não podemos, nem devemos fazer de conta que Olivença não existe. A História é a História. Olivença não é um incómodo, Olivença é um orgulho. A marca portuguesa está aí presente e faz parte da sua singularidade. Temos de trabalhar cada vez melhor essa singularidade com os próprios oliventinos. É isto que importa: fazer.
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 21.Setembro.2022
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