A página Adriano Moreira
Num trabalho da RTP nestes dias, surgia o final de uma entrevista de Adriano Moreira (em 2013, creio), a dizer com alegria impressionante: “Havia um poeta da minha juventude que dizia assim:
Em 2014, numa entrevista à Frontline, terminava, evocando o mesmo poeta (brasileiro), mas terminando com o que era certamente o verso a seguir:
Estas tiradas, belíssimas, fazem parte da estirpe de afirmações de Adriano Moreira, para nos significar a nossa insignificância histórica e a dele também. Era das raras ideias com que não concordava, embora compreendesse a pedagogia: a pedagogia da humildade. Uma frase da mesma estirpe que lhe ouvimos frequentemente, era: “O cemitério está cheio de homens insubstituíveis.” Não são assim tantos, mas há-os. Mulheres também.
Nesta semana, o cemitério recebeu um homem realmente insubstituível. E não só para a sua família. Para o país, para a sociedade, para a sua escola e os seus alunos. Um homem que, quando morreu, deixou efectivamente uma página. Mas não uma página sem nada. Uma página muito cheia: de palavras, de palavras com significado. Uma página não em branco. Uma página assinada com o seu nome: Adriano Moreira.
Diz-se que um homem deve fazer três coisas antes de morrer: plantar uma árvore, escrever um livro e criar um filho. Adriano Moreira cumpriu com abundância. Teve seis filhos, escreveu e publicou 40 livros (de 1950 a 2020) e plantou árvores: não só quando convocou “vamos plantar macieiras”, mas certamente árvores da sua terra – um castanheiro, um carvalho, uma nogueira. Plantou sobretudo ensinamentos, conhecimento, sabedoria, exemplo e testemunho.
Adriano Moreira é um cidadão do mundo, um espírito inquieto com o seu destino. Homem do tempo das Nações Unidas, que viu a Grande Guerra 39/45. Testemunha do fracasso da Sociedade das Nações, não queria ver outro fracasso assim. Alguém que nunca desistiu do capital de esperança das Nações Unidas, profundamente crente na Humanidade e na Paz.
É um cidadão da construção europeia, que acompanhou desde antes do seu começo. Entende a teoria da organização económica e política dos espaços continentais e grandes regiões internacionais, inevitável na evolução fulgurante das comunicações e da proximidade entre as pessoas, os povos, os países. Não uma Europa feita açorda, amálgama onde tudo se dissolva, mas sempre conjunto de partes, em que cada uma mantém a singularidade, que se alimenta e reforça no todo e, assim, serve a união fecunda do conjunto. Um homem profundamente crente nos sonhos e desígnios europeus de Paz, Liberdade, Democracia, Estado de direito, Cidadania e Direitos Fundamentais, Crescimento e Coesão, soft power.
É totalmente um português. Português do tempo inteiro, uma célula militante de Portugal e da portugalidade que reconhece universal, através do mar e da língua, unidos finalmente como pares e iguais na CPLP, sonho que ideara ainda nos anos 60. Vê nesses todos – Brasil, Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Timor, Macau, Goa, nós e tantos outros nos recantos da diáspora ou do cruzamento com outros povos e culturas – a garantia, o abraço de que seremos sempre próprios, continuando o que a História definiu. Os nossos patrícios, os mais próximos, os mais cúmplices. Um homem profundamente crente no capital de futuro, de identidade, de cultura, de relações privilegiadas e de Paz que a lusofonia guarda.
Democrata-cristão, dos bancos da doutrina social da Igreja, vê no centro de tudo a pessoa humana, o indivíduo com responsabilidade social. Sabe que o primado da identidade e da dignidade de cada pessoa é o único garante contra a opressão, a exploração, a barbaridade. Sustenta a importância humana da religião, milita no ecumenismo como estrada para a Paz. Valoriza os corpos intermédios: a família, a vizinhança, a escola, a empresa. Sabe que é dos pais o primado inquestionável na educação dos filhos – com o Estado ao lado e atrás, a ajudar e cooperar. Cultiva o bem comum e um modo livre de solidarismo. Afirma a descentralização, sem hesitar. Sabe que a subsidiariedade e a economia de social de mercado – hoje modelos da construção europeia – são legados inscritos pelos democratas-cristãos.
A idade e o envelhecimento acentuaram o modo humilde de um homem grande. Os que olham a página que nos deixa, vêem o que já nos tinham dito: os humildes serão exaltados.
Comentários
Enviar um comentário