Ti Zuela e as eleições em Angola


Bonga lançou dois êxitos neste ano: “Ti Zuela” e “Alternância no poder”. Embora de forma diferente, têm a ver com a situação em Angola. O primeiro fala do “kumbu”, o dinheiro. O segundo, está à vista. Vale a pena ouvi-los, até porque nos pula o pé para o semba.

Angola está numa encruzilhada. Necessita de encontrar-se para definir um futuro de confiança para todos. Pedia eleições em que todos se revissem. Não foi o que aconteceu. De tal forma, que ninguém as festejou: a UNITA e seus parceiros protestaram; e, no MPLA, declarado vencedor, também não se viu festa, além dos sorrisos do núcleo dirigente.

Mais importante do que quem ganhasse era a transparência do acto e a legitimidade dos resultados. Era essencial que as actas-síntese usadas na contagem oficial fossem verificadas por órgãos independentes, perante delegados de todos os partidos; e, se necessário, confrontadas com as actas na posse destes, obtidas nas secções de voto. A recusa em o fazer estraga a credibilidade dos resultados.

Mesmo à distância, os números da CNE tinham inconsistências. Nos últimos parciais, a 25 de Agosto, algumas percentagens tinham um pequeno erro, que pode ser erro sintomático. Por exemplo, o PRS surgia com 1,13%. Mas, calculando a percentagem à milésima, era 1,137%, ou seja, à centésima, o correcto era 1,14%. Erro igual surgiu nas percentagens de MPLA, PHA e CASA-CE. Até o “censo escrutinado” à hora dos parciais tinha esse erro: foi anunciado 97,03%; mas, fazendo a conta aos 13.973.147 inscritos nas mesas contadas, obtemos 93,0398% do total de inscritos (14.399.391), ou seja, realmente 97,04%. A explicação pode estar em transposição manual do número centesimal, ignorando o arredondamento. Nenhuma máquina erraria assim. Nos resultados definitivos, surgiu o mesmo erro, embora em menos casos.

Estas inconsistências não têm, em si, grande relevância: um centésimo percentual não afecta resultados. Mas podem revelar que, ali, houve mão; e ter havido mão é que é preocupante. No escrutínio, as operações à mão são a contagem dos votos, o registo nas actas e a digitação para o sistema informático. Cada operação manual é crítica e muito sensível. E operações à mão nos patamares de totalização dos resultados são procedimento muito impróprio.

Nos mesmos parciais, a CNE decidiu atribuir logo os 220 deputados, incluindo a totalidade dos 130 do círculo nacional. Faltava ainda escrutinar 3% do colégio eleitoral. Em Angola, o método proporcional para o círculo nacional é a repartição pelo quociente definido e, para os sobrantes, pelos restos mais altos. Atribuir todos os 130 mandatos das listas nacionais, quando faltava apurar 929 mesas e 426.244 eleitores, é uma temeridade.

Claro que qualquer observador pode fazer projecções. Mas o órgão central eleitoral só pode publicar o que é matematicamente certo, solidamente suportado e, por isso, inabalável. Bastaria uma pequena variação na repartição relativa dos votos para mudar os últimos mandatos atribuídos, sobretudo os quatro decididos pelos restos. É frequente isto acontecer nos sistemas proporcionais, sobretudo nos círculos que atribuem muitos mandatos.

Mas os deuses do jogo e da aposta – não sei se Hermes, o grego, se Toth, o egípcio – estavam de feição: protegeram o prodígio matemático e, no final, tudo coincidiu com a atribuição precoce. Chapeau! Nos 3% que faltava contar, a participação foi muitíssimo mais baixa (17,5%) que a média nacional (44,8%). Assim, houve apenas mais 74.800 votos; e estes não mudaram a divisão nem pelo quociente, nem pelos restos. Na verdade, não há impossíveis.

O caminho para as eleições fora desigual e cheio de dificuldades: a obstrução à legalização do novo partido de Abel Chivukuvuku, o ataque à eleição de Adalberto Costa Junior como líder, a recusa de registar a coligação Frente Patriótica Unida. E as eleições foram como se viu. Foi triste ver por lá Carlos César, José Luís Arnaut e Paulo Portas.

O MPLA ficou em posição difícil – a vitória forçada agrava as dificuldades dos maus resultados. A UNITA e os seus parceiros fizeram muito bem em enfrentar a injustiça com responsabilidade. Mostram maturidade. A sua voz e iniciativa servirão da melhor forma os três milhões de angolanos que os elegeram. Construirão o futuro a partir das instituições. Continuarão a cantar com os angolanos: não só “Ti Zuela” e a sua crítica, mas também “Alternância no poder” e a sua esperança. Até chegar.

Como tantas vezes dissemos em Portugal, o voto é a arma do povo.

José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 5.Outubro.2022


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