Olivença, um ano novo



2022 foi bom ano para Olivença, seu conhecimento e notoriedade. Um ano marcado por dois livros, o que é raro acontecer. E logo dois livros muito qualificados.

O primeiro, editado em Espanha, pela Universidade da Extremadura, com apoio da Deputação de Badajoz e da Câmara Municipal de Olivença, é a edição monumental do seu foral, dado há 500 anos pelo nosso rei D. Manuel I. É um magnífico livro, bilíngue (português e espanhol), em dois volumes ricamente ilustrados, contendo extraordinário e valioso trabalho de investigação histórica (descobre e revela muitas novidades da história de Olivença) e também linguística (é completado com um glossário e um vocabulário bem cuidados, assim permitindo a melhor e mais rigorosa compreensão do documento nas duas línguas). Os autores são dois professores de Coimbra e um artista oliventino, grande militante da edição e criador da bela apresentação gráfica da obra. Foi apresentado em Março em Olivença e, mais tarde, em Julho, na Universidade de Coimbra e, Novembro, em Lisboa, na Sociedade Histórica da Independência de Portugal.

O segundo livro, editado em Portugal pela Assembleia da República, tem por título “Olivença na História” e constitui um repositório qualificado de estudos de especialistas da História e do Direito e de testemunhos de grandes conhecedores do tema, dando-nos um vasto e documentado apanhado actualizado da posição portuguesa. Foi pena, dada a importância da obra e a qualidade dos autores, que, como tive ocasião de referir, não tivesse mais divulgação e fosse quase silenciado na comunicação social.

Ao longo dos doze anos em que acompanho e trabalho nos temas de Olivença e dos oliventinos, dei-me dado conta de, para a larga maioria da opinião portuguesa, o estribilho “Olivença é nossa”, ser um veneno tóxico que se repercute em fanfarronada e inércia. Uns aproveitam para troçar do interesse por Olivença, não entendendo o que pode e deve fazer-se. Outros baixam os braços. E outros apavoram-se com a ideia de melindrar Espanha – é a agenda “ai, ai, ai”.

Também penso que, desde há mais de 200 anos, Portugal tem do seu lado o direito internacional. Mas não sou adepto da agenda do diferendo e do conflito, antes da agenda da afirmação e da aproximação. A verdade é que, desde 1817, o Estado português pouco ou nada fez. Além da nova ponte sobre o Guadiana, voltando a ligar Elvas a Olivença, a única excepção tem sido o não reconhecimento das fronteiras impostas manu militari por Espanha, desde 1801/17 (no período das guerras napoleónicas). Quer o Tratado, quer a Convenção de Limites têm mantido Olivença como terra sem fronteiras, o que é, sem dúvida, uma originalidade, que já tenho exaltado. Mas a inacção foi tão grande que devemos ao GAO – Grupo dos Amigos de Oivença, fundado em 1938, por Ventura Ledesma Abrantes, um reputado livreiro e oliventino, que a questão não caísse no esquecimento e fosse totalmente apagada.

Desde 2008, a agenda da afirmação e da aproximação tem conseguido, finalmente, avanços positivos. Novos caminhos têm sido prosseguidos, graças ao impulso de oliventinos e alguns apoios do lado de cá do Guadiana. É deste processo que sou parte – a agenda Tarzan não me diz nada. Em Olivença, Portugal saiu do ghetto, apesar de o Estado português aí parecer mantê-la: não vê, não ouve, não fala – a velha agenda “ai, ai, ai”.

Há um novo interesse cultural, um reavivar da memória histórica e das raízes, uma emergência bicultural, a valorização da traça portuguesa, a intensificação das relações económicas, culturais e turísticas, a aquisição da nacionalidade portuguesa por mais de 1.000 oliventinos desde 2014, iniciativas de união como os Lusofonias e o Terras Sem Sombra, a inclusão de Olivença na UCCLA, aqueles dois livros, agora.

No olhar português, a fórmula do caminho em paz é evidente, está definida e é conhecida: território português sob administração espanhola. O que faz falta é inteligência e imaginação.

José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 30.Dezembro.2022

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