Quem vive no interior está condenado à morte
O título é de um ouvinte que participava no Forum TSF que debateu a iniciativa “Governo Mais Próximo”, promovida, nesta quarta e quinta-feira, no distrito de Castelo Branco. É um grito de frustração, indignação e desconfiança. Plenamente justificado.
O abandono a que extensas regiões do Continente têm sido votadas é inaceitável. Tem acontecido de modo consciente, embora talvez não propositado. Várias vezes nas duas últimas décadas tenho chamado a atenção para a realidade. Aproveito o momento para o fazer de novo.
O governo acerta na ideia, mas falha no método. Faz falta “Governo Mais Próximo”. Mas não com ministros e secretários de Estado a passearem dois dias por ali e, depois, acolá; antes com o governo sempre mais próximo, todos os dias, todas as semanas, todos os meses.
Dir-se-á: “Ah! Isso não é possível.” Claro que é possível. Isso é o que existia. Foi desmantelado. É urgente reconstruir. Chama-se desconcentração. Em Portugal, assentava na desconcentração distrital. O território continental estava dividido em 18 unidades territoriais, os distritos (para algumas matérias ainda está). Em geral, todas as direcções da Administração Central e os institutos públicos tinham orgânica desconcentrada por distritos. Era o Governo mais próximo: qualquer cidadão que tivesse um assunto a tratar ia à capital de distrito, introduzir e discutir a sua pretensão; e a definição de políticas a nível central era informada pelos quadros técnicos distritais de cada área, levando em conta o conhecimento, a sensibilidade e as aspirações de cada distrito. É claro que a existência desta rede desconcentrada de serviços não chega. É fundamental a qualidade, a dedicação, a competência dos seus servidores. Mas, em democracia, o escrutínio da qualidade seria certamente muito elevado.
Devíamos, por isso, ter mantido a organização distrital, oleando a sua articulação com a consolidação da democracia. A tarefa estava facilitada, pois os deputados são eleitos por círculos distritais: estão directamente aparelhados para fazerem a fiscalização política vertical (do distrito para o governo central) e horizontal (do distrito sobre o distrito). Ao mesmo tempo, se tivéssemos desenvolvido a regionalização, esta deveria ser coerente com a divisão distrital, evitando atritos, conflitos, paralisia.
Os governos fizeram o contrário. Por um lado, não concretizaram a regionalização, enredando-se em contradições consecutivas. Por outro, desmantelaram conscientemente a orgânica distrital da Administração Pública, para mais, em gritante violação frontal da Constituição. Recomendo sempre às pessoas que vão ler o artigo 291.º, para abrirem a boca de espanto com a desfaçatez dos factos.
Foi isso que afastou as pessoas, abandonou territórios, cavou a desolação que vivemos. É muito fácil corrigir. É fazer o contrário do que se tem feito: irmos ao encontro das pessoas, repor de pé a administração mais próxima. É indispensável.
Mas não chega. O problema atingiu tais proporções que só se resolve se conseguirmos centrar em, pelo menos, dois polos no interior, dois grandes investimentos produtivos que mobilizem capitais, emprego, poder de atração. Para simplificar, chamo a esta ideia, em sentido figurado, “duas AutoEuropa”: uma no eixo de Portalegre, outra no eixo da Guarda. Dois poderosos investimentos estrangeiros na indústria automóvel, ou electrónica, ou química, ou outra, virados para a exportação para o mercado europeu e mundial. Gerariam emprego directo e indirecto, alavancariam em todos os domínios o desenvolvimento do espaço onde se sediassem e irradiariam a sua influência na área mais vasta das regiões adjacentes, estimulando inúmeras pequenas e médias empresas.
Entristeceu-me, por isso, a notícia em Novembro de que “Portugal assinou um memorando de entendimento com a empresa CALB, da China, para a construção de uma fábrica de baterias para carros eléctricos em Sines.” É bom receber estes investimentos, mas é importante canalizá-los antes para o interior, dando aos investidores, se necessário, condições excepcionais. Sediados em Sines, ou Aveiro, ou Leixões, são investimentos que saem da beira-mar para o mar. Sediados no eixo de Portalegre ou da Guarda beneficiam o território (hoje, tão deprimido) onde estejam, mas ainda irradiam a influência de motor de desenvolvimento para norte, para sul e para ocidente até ao porto de exportação, melhoram infraestruturas e têm saída directa para exportar para o resto da Europa e a península.
Isto é que um Governo mais próximo. Com visão e com estratégia.
José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 27.Janeiro.2023
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