A minha terra é o centro do mundo



O debate no país está cheio de loas à descentralização, enquanto faltam avanços reais. E anda carregado de lamentos pela “periferia de Portugal”, vista como a praga que nos condena ao atraso face aos parceiros europeus. Temos uma relação problemática com o espaço. Por um lado, parece que queremos descentralizar, mas na realidade centralizamos. Por outro, vemo-nos na “periferia”, para a usarmos como encosto e desculpa.

Contaram-me uma história (se non è vero, è ben trovato) dos anos ’80 ou ’90. O presidente da SONY, a multinacional japonesa, em visita a Portugal, deu uma conferência num hotel de Lisboa, sobre a empresa, sua evolução, seu crescimento e consolidação no mercado mundial. Sala cheia com gente da política e da economia, do corpo diplomático e da comunicação social em peso. Finda a comunicação (longamente aplaudida), o presidente da SONY respondeu a perguntas e observações. Às tantas, um dos presentes levantou-se e disse: “Senhor Presidente: muito obrigado pela sua exposição. É, de facto, extraordinário o percurso da SONY, que contou, desde uma pequena loja até ao gigante mundial de hoje, com implantação em todos os continentes e presença em indústrias várias. Mas, com todo o respeito, é um exemplo que, infelizmente, não nos pode servir. Portugal é um pequeno país periférico, onde ninguém pode aspirar a ter sucessos como os da SONY. Em qualquer caso, muitos parabéns e muito obrigado.” Quando foi a vez de o presidente da SONY responder, disse a certa altura: “Quanto à intervenção daquele senhor que afirmou que o exemplo da SONY não pode aplicar-se a Portugal ou a empresas portuguesas, pelo motivo de Portugal ser um país periférico, eu pedia, com todo o respeito, que parassem um pouco e respondessem a esta minha pergunta. Já viram bem, no mapa, o que é o Japão e qual a sua posição geográfica?” Houve riso geral. A sala rompeu em aplausos. Tinha percebido a mensagem: empresas de um país “periférico” podem obter tremendo êxito global e impor-se nos mercados. E esta, hem?

Portugal nem é um país periférico. A nossa “periferia” é uma ilusão de óptica, com referência aos outros europeus. Basta olharmos o mapa com atenção, para percebermos que a posição geográfica de Portugal é um dos nossos mais valiosos recursos estratégicos, na frente atlântica da Europa e na relação com o Atlântico Sul e Central, e Norte também. A partir desta posição, devemos construir e exercer a nossa centralidade, sem complexos: nem inferioridade, nem soberba. Numa Terra que é redonda e as comunicações a todos aproximam, a periferia é uma ilusão: se estamos mais longe de uns, estamos mais perto de outros. Os Descobrimentos mostraram-nos, aliás, o mesmo que o presidente da SONY nos disse: é possível ser o “centro do mundo” a partir de umas ilhas na ilharga da Ásia, como fora possível ser o “centro do mundo” a partir da frente peninsular no extremo ocidental da Europa.

Há dias, faleceu um grande homem, que nos diz isso mesmo. Disse e mostrou. O comendador Rui Nabeiro, empresário, criador da Delta, sempre na linha da frente da inovação, figura ímpar, português como poucos, homem de visão, generoso, recebe nestes dias os mais diversos e rasgados elogios, todos merecidos. O mais importante, que quero destacar, é a fidelidade à sua terra, Campo Maior, tão “longe”, ali na raia oriental do Alentejo. Se lhe perguntassem pelo centro do mundo, responderia: “O centro do mundo é na minha terra.”

Nabeiro resistiu à tentação – se alguma vez lha quiseram impingir – de trazer o grupo para Lisboa, a fim de ganhar posição no mercado nacional e lançar-se no plano internacional. Fez tudo isso a partir de Campo Maior, onde fincou o centro industrial e de gestão. Tinha uma plataforma comercial junto ao porto de Lisboa (onde o visitei alguma vezes), mas passava mais tempo em Campo Maior, seu lugar central, onde também estive: a casa-mãe. A formidável experiência, nacional e internacional, do grupo Delta é uma lição prática de descentralização. Pena que os governos se afadiguem a desmantelar a malha descentralizada dos distritos e tenham transformado a regionalização numa saga de crescente centralização.

Nabeiro explicou como se faz, dentro do país e na atitude de Portugal no mundo. Deve ter sorrido, ao ver toda a gente ir a Campo Maior visitá-lo na última despedida: Presidente da República, primeiro-ministro, ministros, deputados, autarcas, dirigentes nacionais e regionais, todas as televisões em directo. Campo Maior, o centro de Portugal.




José Ribeiro e Castro
Ex-líder do CDS, advogado

DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 22.Março.2023

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