Nirmal e Marcelo
No princípio de Fevereiro, o país acordou para um espectáculo de selvajaria cobarde em Olhão. Os factos foram em 25 de Janeiro, mas conheceram-se a 3 de Fevereiro e porque um olhanense gravou a agressão e colocou o vídeo nas redes sociais, destas saltando para a imprensa. O intervalo de 10 dias entre agressão e seu conhecimento (que gerou repúdio e a acção das autoridades) diz muito da solidão do agredido e sua comunidade imigrante, numa cidade de 25.000 pessoas.
A agressão é de barbaridade atroz. Nirmal, nepalês de 26 anos, franzino, com 1,70m de altura, estava há três meses em Portugal. Chegara na véspera a Olhão. Fora, aqui, seu primeiro de trabalho. À noite, com pouca luz, voltava a casa de bicicleta, quando é apanhado por um grupo de sete a nove jovens. Ia com um colega, que consegue fugir. Nirmal não. Cito do Público: “é violentamente agredido. Os atacantes derrubaram-no com pontapés, espancaram-no, bateram-lhe com um pau. Um deles tentou atear fogo ao cabelo da vítima com um isqueiro.”
O que se leu nos jornais é de arrepiar, pela crueldade, sadismo e brutalidade. As imagens são ainda mais cruas e repulsivas, o supremo grau da cobardia e indignidade. Ver um grupo de jovens a martelar à bastonada um outro jovem, só, indefeso, que se encolhia no chão, não se conta em palavras suficientes. Houve uma pequena ironia: o lugar onde os valentões espancaram Nirmal, em Olhão, foi na Rua Vasco da Gama, isto é, na rua que tem o nome de quem nos levou às terras de onde, agora, nos vêm Nirmal e outros desse subcontinente.
Tem crescido em Portugal a presença de imigrantes asiáticos. Do que é possível apercebermo-nos instantaneamente, são pessoas pacíficas, tranquilas, amigáveis, predominantemente homens e jovens, que procuram rapidamente rendimentos que lhes dêem sustento e apoio às famílias na origem. Nada de diferente da nossa emigração histórica. Agora, em linha com o tempo, têm como grande instrumento o smartphone, que os liga em permanência a lugares de origem e suas comunidades imigrantes, e cujo manejo ágil os habilita facilmente para as redes digitais de transporte Uber, Glovo, etc., onde os vemos sempre.
Devemos acolhê-los melhor do que estamos a fazer. Mostrar-lhes que são bem-vindos, que gostamos deles. E velar pelas suas condições de habitação e trabalho. O exemplo de Olhão é um caso raro na violência extrema, mas é um sinal inquietante e um alerta para todos os nós.
Em Odemira, vejo-os muito. Aqui, estão quase sempre no trabalho agrícola, mão-de-obra indispensável ao cultivo intensivo de frutos, legumes e outros vegetais. Fazem os trabalhos para que não há odemirenses, nem outros portugueses disponíveis. Sem eles, a economia local e regional (nacional também) ressentir-se-ia muito. Temos de lhe estar gratos por o fazerem.
São tão numerosos que abriram também comércio, onde compro habitualmente malaguetas ou condimentos orientais. E há outras novidades. Há meses, um amigo mandou-me umas fotos formidáveis. Num descampado junto ao Mira, dois grupos de indianos jogavam cricket. Isto devia ser acarinhado. Quem sabe se, um dia, não se se organizaria anualmente o Odemira’s Cricket Open? Perguntando à comunidade residente em Portugal, encontraremos por certo muitos praticantes de hóquei em campo. Talvez nos ajudassem a dar impulso ao renascimento desta bela modalidade em Portugal.
O nosso Presidente da República esteve exemplar. Mal se soube da brutalidade sobre Nilmar, logo programou uma deslocação a Olhão, que concretizou dois dias depois. Não podia ser mais humano e caloroso. Diversamente do que a imprensa pôs em título, não pediu desculpa a Nilmar – nem tinha de o fazer. Manifestou repúdio, indignação, condenação, solidariedade, acolhimento, tudo com firmeza, clareza e naturalidade. Mas não pediu desculpa, o que só os agressores poderão fazer.
Fui criado na ideia do Portugal pluricontinental e multirracial, na capacidade integradora da nossa bandeira, língua e cultura. É a única ideia verdadeira, bela e justa de Portugal. Como costumo dizer, não é por termos voltado a ser unicontinentais que nos tornámos mono-étnicos e, ainda menos, racistas. O racismo merece da sociedade portuguesa, não só do Estado, repúdio firme. Sem margem de tolerância.
José Ribeiro e Castro
Advogado
MAIS ALENTEJO, 15.Abril.2023
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA"
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