Um país adiado, no pântano

 

Em dezembro de 2001, causando surpresa geral, António Guterres, primeiro-ministro, demitiu-se por entender que era a forma de evitar um “pântano político”.

É um dos grandes momentos da nossa história política. Nunca se entendeu muito bem o que era o “pântano”. O PS perdera as eleições autárquicas, mas não era caso para tanto. O PS estava na situação de “maioria empatada” na Assembleia da República – tantos deputados (115) que a soma de todos os da oposição. Mas era melhor do que tivera na legislatura 1995/99, em que tinha minoria parlamentar.

Que raio seria o “pântano” de que Guterres não queria nem um dia?

A resposta é capaz de estar naquilo que o PS, a sua maioria e o seu Governo nos têm dado desde as últimas eleições. A maioria absoluta de janeiro 2022 não tem servido ao país para nada. Valeria a pena se nos desse estabilidade. Valeria a pena se, com estabilidade e maioria, permitisse ao governo concentrar-se no médio e longo prazo e demonstrar um agudo sentido estratégico. As maiorias servem para isso, ou não servem para nada.

Na crise engasgada do SNS (com frequentes quebras de serviço), na crise arrastada da “escola pública” (falta de capacidade de diálogo com os professores, desenfreado experimentalismo ideológico ao galope, sopro do facilitismo para disfarçar, aproveitamento abaixo do necessário), na crise da justiça com os mesmos problemas de sempre, no bloqueio há décadas das ligações à Europa na ferrovia e na energia, na “descentralização” em batota (promovendo a real concentração e centralização da administração intermédia do Estado), na não reestruturação dos territórios florestais, na cumplicidade com a decadência da língua portuguesa na UE, na abdicação de uma política ambiciosa de crescimento económico (que nos puxe para os lugares da frente da UE, em vez de sempre para o último), no esquecimento propositado da reforma eleitoral, possível desde 1997 (responsabilizando os deputados perante os eleitores e dando à nossa democracia a seiva de frescura e renovação de que necessita). Em vez do que precisamos, o que temos? Casos e casinhos, zaragata com fartura, greves em cascata, um ou outro escândalo ui-ui, luta pelo “poder-que-há-de-vir” no PS, agendas ideológicas extremistas, política da barafunda.

O que é que diríamos de Portugal no ano político que passou? Um velho estribilho: somos um país adiado. O que é que diremos de um país em que um partido e o seu governo usam a sua maioria unicamente para se sustentarem no poder, sem reformar, sem melhorar, sem construir, sem nos fazer a todos avançar? O que diremos de um país em que, no relatório do inquérito à gestão da TAP, o governo e o seu partido usam a maioria apenas para escudo face à zaragata e ao pugilato em que a política se degrada? O que diremos de um país em que um governo com maioria absoluta adia, sector a sector, o futuro? Diremos que é um pântano, isso mesmo, o pântano político. Tudo vai resvalando para ambiente pantanoso. E pode manter-se porque a maioria já só serve para isso: manter-se.

É isto provavelmente que Guterres quis evitar em 2001.


José Ribeiro e Castro
Advogado e cidadão

SAPO 24, 20.Julho.2023

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