Olivença à nossa frente, Olivença ao nosso lado

Sigo de perto há alguns anos a vida e o progresso de Olivença – de Talega também, o outro pequeno concelho do território histórico de Olivença. E tenho participado no incremento significativo que se tem concretizado nas relações culturais, económicas, cívicas e institucionais entre os oliventinos e Portugal. É um esforço desenvolvido unicamente a partir da sociedade civil e de alguns municípios. O Estado português está normalmente alheado.

Olivença tornou-se para mim uma paixão, seja pela sua beleza e pela sua história, seja pela fidelidade de que dá mostras à sua identidade, alma e raízes, apesar da sobranceria e do alheamento do lado de cá do Guadiana. O mais que, às vezes, oiço não passa do clássico “Olivença é nossa”, o que, sendo verdade no plano do Direito, é desprovido de consequências. O fanfarronismo é outra forma de efectiva indiferença, como nos ensinam mais de 200 anos de nada.

 

Olivença é portuguesa desde a Reconquista aos mouros, nos séculos XII e XIII. A titularidade por Portugal foi reconhecida pelo Tratado de Alcanizes de 1297, celebrado entre os dois reinos vizinhos, que fez a última definição da nossa fronteira oriental. Depois, Olivença teve crescente afirmação e grande importância, como bem se vê no seu magnífico centro histórico.

A posição jurídica de Portugal é dificilmente contestável por quem tenha mínima independência. Mas a verdade é que o diferendo perdurou e há que lidar com os factos, sem abdicar do Direito. É que há, na verdade, uma forma de tratar directamente com as autoridades espanholas, sem com isto reconhecer a sua posição jurídica, nem renunciar à posição portuguesa.

Como tenho defendido, é dizer isso mesmo: Portugal considera Olivença “território português sob administração espanhola”. É uma fórmula conhecida de direito internacional, suficiente para proteger a nossa posição legal, ainda que não reconhecida por Espanha. No caso que coloco, é uma fórmula suficiente para, de cada vez que Portugal, a fim de cuidar de interesses comuns com os oliventinos, trate com o município de Olivença, ou a deputação de Badajoz, ou a comunidade autónoma da Extremadura ou o governo de Madrid, nenhum destes alegar que Portugal está, implicitamente, a reconhecer a conquista espanhola de 1801. Aquela declaração prévia, feita no modo devido – “território português sob administração espanhola” –, previne contra isso. Ora, a diplomacia serve para isto: proteger os nossos direitos e interesses.

Tenho lidado amiúde, já o disse, com manifestações vibrantes do “Olivença é nossa”. Bem o sabemos. Mas daí a reaver a sua posse, vai distância enorme – nesta altura, já uma distância de 222 anos (se contarmos desde a Guerra das Laranjas), ou de 206 anos (se contarmos do reconhecimento por Espanha da Acta Final do Congresso de Viena). Além disso, importa ter bem presente que o modo habitual por que os territórios mudam de mãos é pela guerra. Em Olivença, foi assim na Reconquista, na Restauração, e com Godoy, guarda-avançado de Napoleão. Não creio que alguém em são juízo defenda a ideia de declarar guerra a Espanha.

 


O caminho que devemos fazer é aproximar-nos dos oliventinos e de Olivença, nos planos cultural, económico, social e cívico. Há que vencer a distância de dois séculos e estreitar relações que têm tudo para serem óptimas e muito fecundas.

Para isso, é incontornável tratar, em toda a amplitude necessária, com as autoridades espanholas que cuidam da administração de Olivença e Talega: cultura, educação, ensino da nossa língua, turismo, património, água, comércio, desporto, agricultura, música, cooperação lusófona, etc. Onde está a dúvida? Onde está a dúvida de que já devia ser assim há muitos anos? Será que não vemos Olivença à nossa frente? Será que não sentimos Olivença ao nosso lado?

Se houvesse algum dano para a posição de Portugal, poder-se-iam compreender as dúvidas. Mas, dispondo a política e a diplomacia do instrumento ajustado a afirmar sempre e salvaguardar a posição histórica do nosso país, não entendo a hesitação e a paralisia em que tudo se mantém ao nível do Estado. Portugal perde com isso. E Olivença também. Os portugueses perdem com essa inércia.

Está na hora de Portugal superar de vez este embaraço.

 

 José Ribeiro e Castro

Advogado

MAIS ALENTEJO, 1.Agosto.2023
Crónicas "AQUÉM-GUADIANA" 

 

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