Israel


A

queles bandos terroristas do Hamas que, no sábado e dias seguintes, assaltaram Israel querem a destruição e o fim de Israel. Assim o disseram. É esse o propósito que explica o apoio engajado dos líderes extremistas do Irão e de bandos vários da mesma seita: destruir Israel. É a mesma obsessão desde a primeira guerra de 1948. Há 75 anos que planeiam e atacam.

Em 2010, quando eu era Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros da Assembleia da República, recebemos a visita do ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Manouchehr Mottaki. Provocou alguma agitação: não tanto pela invulgaridade do facto, mas entre as deputadas, que queriam ver se ele, por serem mulheres, não as cumprimentaria. Foi isso: o ministro cumprimentava, um a um, os deputados com aperto de mão e, diante de cada deputada, mostrando experiência e agilidade, fazia um gesto esquivo, sorria com desembaraço e passava adiante sem lhes tocar. Antes assim. Melhor do que ensinam ao Hamas.

A reunião durou uma hora, com várias perguntas dos deputados. No final, cabendo-me a última pergunta, pensei embaraçar o ministro. Perguntei: “Senhor ministro, diz-se que, na crise do Médio Oriente, a posição do Irão é pelo fim do Estado de Israel. Não lhe parece que essa posição impede a paz e empurra para a guerra? Favorece até a guerra permanente?” A minha ingenuidade era grande. O ministro não se atrapalhou. Teve resposta pronta: “Não, não se diz isso. É a verdade, a posição do Irão. A existência de Israel é a causa da guerra. Só haverá paz, quando Israel acabar.” Fiquei esclarecido.

Na segunda-feira, chocou-me ouvir no Fórum da TSF, dois intervenientes, ao comentarem a violência do Hamas em Israel e a resposta israelita, repetirem a mesma ideia dos ayatollahs do Irão: Israel é a causa da guerra, é preciso Israel desaparecer para a guerra acabar. É uma doutrina louca: a guerra para acabar com a guerra; destruir, esmagar, subjugar para impor a paz. Chantagem com o mundo: só há paz nos nossos termos, quando este ou aquele povo for destruído ou submetido. É a doutrina que conduz aonde temos estado: a guerra permanente.

É curioso (e sintomático) que, já em Portugal, haja seguidores do extremismo do Irão, capazes de o verbalizar na rádio sem o menor rebuço, hesitação ou atrapalhação, mesmo em cima das atrocidades com que o Hamas fustigou milhares de civis inocentes com crueldade ímpar. Há também vozes alinhadas na imprensa, que nenhuma atrocidade, por mais cruenta, abala ou faz vacilar. Fazem coro com o Hamas e o seu trabalho assassino no terreno.

Porém, creio que este ataque do Hamas mostra, afinal, por que razão o Estado de Israel tem mesmo de existir e explica-o, enfim, a todo o mundo que não tenha ainda entendido. Fá-lo de forma particularmente dolorosa e intensa. Mas revela por que é mesmo necessária a existência do Estado de Israel, o Estado judaico.

 

Q

uarta-feira, ao princípio da tarde, saí para a rua, em Lisboa, na zona do Saldanha. Estava um tempo magnífico. Muita gente a passear-se, esplanadas cheias. Vi mulheres conversando, alegres; crianças e bebés com seus pais; algumas com os avós, a que arrancavam aqueles sorrisos enrugados, ternos, longos, como só os velhos sabem; casais despreocupados, andando por ali; rapazes e raparigas que pareciam vindos da universidade; homens, de jeito executivo, em passo mais apressado; mulheres e homens em grupos, jovens adultos, trocando histórias e gargalhadas. Muita cor, uma atmosfera feliz.

Sugestionado pelas notícias e imagens que nos têm chegado de Israel, passou-me pela cabeça, por um momento, ali, na parte sul da Avenida da República, a imagem de centenas de terroristas, encapuçados, armados de metralhadoras, pistolas e adagas, saltarem das transversais, berrando gritos selvagens, para caírem, sem piedade, sobre os inocentes, homens e mulheres, crianças, velhos, bebés de colo. Imaginei, de repente, uma hora de desordem sanguinária. Civis fugindo, apavorados, em todas as direcções, abatidos a tiro à distância, pela frente ou pelas costas, ou, à queima-roupa, na testa ou na nuca. Casais que procuravam escapar-se para o metropolitano, terem de fugir para trás de novo, atacados por novos terroristas que subiam pelas mesmas escadas. Raparigas, em desespero, imploravam pela vida: “Don’t kill me! Don’t kill me!” Instalou-se o pânico, o horror, o céu a desabar-nos em cima da cabeça. Casais capturados, sendo a mulher barbaramente violada diante do marido, uma, duas, cinco vezes por bandidos sucessivos; no fim, a mulher assistir ao marido ser decapitado e ser levada como refém e troféu, escorrendo sangue. Crianças mortas a tiro, pelas costas, incluindo bebés, diante dos pais ou dos avós, antes de os executar também, com excepção dos tomados por reféns. O vendaval sanguinário visava o terror e capturar centena e meia de reféns, para poder prolongar o terror por mais dias. Não sobrou vivo um idoso, nem um bebé. Os captivos levados eram sobretudo raparigas adolescentes e mulheres abaixo dos 40, crianças pequenas (guardadas e transportadas em gaiolas de capoeira), e rapazes e homens até aos 30. A tarde de atmosfera feliz terminara num massacre e numa tragédia ainda por acabar. Porque um bando terrorista quis, decidiu e fez.

Esta tragédia, que não aconteceu em Lisboa, aconteceu em Sderot e noutras cidades e localidades várias do Negev, no sul de Israel. Aconteceu em muito pior do que ali imaginei e numa escala muito maior. Em magnitude de surpresa e brutalidade, aproxima-se das Torres Gémeas de Nova Iorque. E ultrapassa em muito o 11 de Setembro, nos requintes de perversidade, de tortura, de desumanidade, de crueldade, de abuso, numa acção cara-a-cara. Vi e li cenas piores que os nazis. A guerra terrorista lançada no sul de Israel ultrapassa a capacidade de ver e vomitar. O Hamas abriu outra vez guerra a Israel. Podia ter atacado alvos militares, mas escolheu festivais de música. Podia ter atacado quartéis ou bases militares, mas escolheu kibutzim e cidades, vilas, aldeias. Podia ter atacado exércitos, mas preferiu aterrorizar e matar civis desarmados, inocentes e indefesos.

Envergonha ler quem desculpa estes actos inqualificáveis e absolve o Hamas de culpas que nunca pagará suficientemente. É chocante ver jornais escreverem “barbaridades” entre aspas, condicionados não se sabe porquê ou por quem e mostrando medo da decência e da verdade.

 

P

or que razão isto mostra a razão de ser do Estado de Israel? Esta tragédia, que ainda se desenrola, não é a primeira na história do povo judeu. Pelo contrário. Continua a ser profundo mistério, para mim, por que tem o povo judeu, ao longo dos séculos, sido objecto de tantas violências, tantas perseguições, tanta discriminação, tantos massacres, tantas atrocidades?

Não há objectivamente razão para isto, admitindo que as atrocidades podem ter algum tipo de explicação que não seja a própria brutalidade do agressor. Nos últimos 2000 anos e antes ainda da nossa era, são muitos os povos que atentaram contra a dignidade do povo judeu. Há outros povos vítimas, numa ou noutra época. Mas nenhum outro tanto como os judeus. Nós também contribuímos no século XVI.

O pior de tudo foi o Holocausto nazi, mancha tenebrosa na História da Humanidade. E, todavia, os judeus não construíram impérios; espalharam-se pela sua diáspora, pacificamente, contribuindo para o progresso de largas dezenas de países. Mas, apesar de pacíficos, produtivos e frequentemente criativos, os judeus foram feitos objecto de intriga, difamação, preconceito, acendendo ódios que terminavam em perseguição e violência. Porquê? E porque é que, mesmo depois do Holocausto, essa maldade antijudaica não ficou saciada? Por que pede mais sangue e mais atrocidade? Por que não respeita um velho, uma mulher, uma criança, um bebé, uma avó, um rapaz, um homem comum, apenas por ser judeu ou judia?

É possível, por isso, que os judeus, ao longo dos séculos, acumulando perseguições e errâncias, tenham amadurecido a ideia de que precisavam de ter um Estado seu, um Estado judaico, que fosse a sua casa e para onde pudessem ir, como porto seguro, em caso de absoluta necessidade e desespero. No tempo dos pogroms, é possível que, a cada pogrom, amadurecessem essa ideia. Porquê? Porque, a cada perseguição, havia às vezes quem ajudasse, mas os judeus viam-se normalmente sós e sem destino. Aquele desígnio, assim, não é só possível que surgisse, como se tornou natural, devido e merecido quanto a um povo historicamente tão marcado pelo ferrete da perseguição injusta e cruel.

Os judeus não desistirão jamais da diáspora, que é também, historicamente, muito da sua condição e natureza. Mas precisam outra vez do seu país, do seu pé no mapa, do seu Estado. Exactamente como outros povos de grandes diásporas: os italianos de todo o mundo têm a sua Itália, os gregos têm a Grécia, os cabo-verdianos têm Cabo Verde, os portugueses temos o nosso Portugal, os irlandeses têm a sua Irlanda. E os judeus têm Israel, recriado, com o consentimento da comunidade internacional, numa parte do seu território histórico.

Esta nova fúria cruenta do Hamas, do Irão e dos extremistas que, montados nos palestinianos, querem destruir Israel, comprova precisamente a necessidade de Israel. Se Israel desaparecesse, o povo judeu estaria outra vez perdido e voltaria a ser a presa fácil de todos os antissemitas que, infelizmente, infestam o mundo. O Hamas, o Irão e outros da sua estirpe, incluindo na Europa onde o antissemitismo há décadas que ressurge, é isso que querem: os judeus à sua mercê.

Quem tiver dúvidas, basta focar-se nestas vítimas civis do Hamas. Olhe os rostos das crianças israelitas mortas, pense nos corpos decepados de alguns bebés, veja a cara das mulheres e raparigas atrozmente violadas, veja as cenas de execução de reféns para uma vala comum, olhe as cabeças tombadas dos velhos assassinados, e verifique que é mesmo essa bestialidade: é isso que eles querem, é isso que eles fazem. Torturam-nos porque são judeus. Abusam delas porque são judias. Fazem-nos sofrer porque são judeus. Matam-nos porque são judeus.

O Estado de Israel é a sua garantia. Têm direito a ela. A garantia de que não se massifique e não se generalize esta selvajaria. A garantia de que, se a tragédia voltar a acontecer, será combatida, travada e vencida. É muito revelador o facto de algumas das imagens que vemos das atrocidades cometidas pelo Hamas terem sido filmadas e postas a circular por eles próprios. Sádicos exibicionistas que se deleitam com o sangue e o sofrimento das vítimas.

Eles querem destruir o Estado de Israel. Em nome da decência e da humanidade, é indispensável apoiar a justa defesa pelo Estado de Israel. Que os Hamas, Hezbollah, ISIS, Al-Qaeda, similares e metamorfoses, percam e sejam vencidos e dissolvidos para sempre.


José Ribeiro e Castro
Advogado e cidadão

OBSERVADOR, 13.Outubro.2023

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