1.º de Dezembro: a liberdade não é de borla


Temos tendência para descuidar o que recebemos de graça. Isso é muito perigoso. Hoje, 1.º de Dezembro, é o dia certo para reflectir na importância de sermos livres e quanto custou sê-lo.

Todos nascemos com Portugal independente, sem que isso nos custasse nada. Foi-nos oferecido. Mas, de facto, a liberdade não nos foi dada: custou muito para aqui chegar. Deixando para trás todo o caminho desde a fundação, com D. Afonso Henriques, no século XII, foi em 1640 que, depois de a termos perdido em 1580, recuperámos voz própria entre as nações, independência, cidadania mundial. Voltámos a ser livres de qualquer soberano estrangeiro sobre nós.

Popularmente, a história do 1.º de Dezembro é demasiado simplificada: 40 fidalgos revoltosos invadiram o Paço da Ribeira, mataram Miguel de Vasconcelos (depois, lançado da janela), proclamaram a Restauração e aclamaram D. João IV como rei. Esteve longe de ser só assim. O 1.º de Dezembro foi o primeiro dia de 28 anos de perigos, guerras e sacrifícios. 28 anos! Fiz as contas: 17.240 dias de incerteza. Só em 1668, depois de D. João IV morrer e D. Filipe IV também (que fora nosso Filipe III), seria assinada a paz com Madrid. Foram muitas as batalhas travadas e vencidas (aqui, contra os nossos vizinhos e, além-mar, contra holandeses e franceses), para que Portugal se reerguesse e seguisse o seu caminho, próprio, livre e independente.

Acaba de publicar-se o livro “Luísa de Gusmão”, de Isabel Machado. Um magnífico romance histórico, que apresentei no lançamento há uma semana. Permite-nos conhecer o que foram a vida e a dedicação, os trabalhos e os riscos do rei e da rainha que coroámos a seguir ao 1.º de Dezembro. O que foi a alegria popular que os rodeou, mas também as traições e conspirações, os desapontamentos, a coragem, a determinação, a firmeza, a complexidade de governar um vasto império e assegurar a sua unidade, os intensos trabalhos diplomáticos para avançar a causa portuguesa e vencer o vasto poderio castelhano, os perigos sempre à espreita, a mobilização militar, manter o ânimo sempre em alta. Foi tudo menos fácil. Nada foi de borla.

O livro mostra a têmpera extraordinária da rainha, andaluza de nascimento, da poderosa Casa Medina-Sidónia, que fora destinada a “segurar” o duque de Bragança do lado dos reis de Castela. Foi um plano espanhol que se gorou. D. Luísa de Gusmão seria grande rainha de Portugal. Ironia do destino, é uma das figuras a que mais devemos a independência, não só a incentivar e apoiar o marido, mas a assegurar a regência a seguir à morte deste, quando a guerra ainda rolava, bem acesa. A muito importante vitória das Linhas de Elvas é alcançada com Luísa de Gusmão nas rédeas do Reino.

Muito conhecida, como figura simpática da nossa história, a mulher que ajudou a decidir o futuro D. João IV é também pouco conhecida, por não sabermos quanto lhe devemos. Uma mulher que se afeiçoou a Portugal. Firme e determinada, corajosa, com capacidade de governo, além de mulher e mãe, que perdeu dois filhos após nascerem (Ana e Manuel, este em 1640, pouco antes do 1.º de Dezembro) e outros dois antes de fazerem 20 anos (um deles, o herdeiro da Coroa).

Vale muito a pena ler este livro de Isabel Machado para tomarmos consciência do que esta família passou para que fôssemos livres. E para lembrarmos o preço que os portugueses tiveram de pagar pela liberdade colectiva, o nosso tesouro nacional mais precioso.


José Ribeiro e Castro
Advogado, ex-líder do CDS
Presidente da APDQ - Associação Por uma Democracia de Qualidade

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1.Dezembro.2023

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