Contas certas
As sondagens que se vão publicando dão conta de um cenário político que não é muito fácil de entender e que confirma o comentário que fiz logo a 7 de Novembro, quando o governo caiu, com a demissão do primeiro-ministro, e se abriu caminho para eleições antecipadas. O meu comentário era este: nunca pareceu tão fácil vencer o PS e a maioria de esquerda, mas nunca a direita esteve numa situação tão má como hoje.
Depois de
tudo que se passou e do estado a que chegámos é difícil perceber como o Partido
Socialista mantém uma cotação tão elevada. Manifestações e greves dos
professores, situações críticas acumuladas nos serviços de saúde, manifestações
iradas dos polícias, manifestações massivas por causa da crise na habitação, vergonha
atrás de vergonha na TAP, descontentamento dos agricultores – e parece que são
muitos os portugueses que querem mais do mesmo.
É certo que há
também os recentes casos judiciários, de que o último veio abalar o PSD, na
Madeira. Pode argumentar-se que este tem contornos mais graves do que a
Operação Influencer, que feriu o governo PS. Mas o Partido Socialista tem ainda
um outro caso muito pesado no seu histórico: a Operação Marquês, em que José
Sócrates viu regressarem as acusações mais graves por que será julgado. Não há
caso mais grave do que o do ex-primeiro-ministro Sócrates, nem memória de coisa
semelhante.
Na verdade,
será difícil entender como poderá o PS ganhar as eleições nestas circunstâncias,
com este desempenho e com este passivo. Há aqui muita matéria para reflectir. Seguiremos
as sondagens. Mas, com objectivos bem definidos, o que importa sobretudo é
trabalhar com os eleitores. São estes, não as sondagens, que decidem as
eleições.
O erro de
leitura política dos resultados eleitorais de 2015 pode confundir a compreensão
dos objectivos reais – foi esse erro que provocou o deslize de Nuno Melo há
duas semanas. As eleições não se ganham apenas por se ser o mais votado. As
eleições ganham-se se, sendo o mais votado, este pode transformar a vantagem
numa posição de poder, isto é, de formação de governo. Se não for assim, não
ganhou; ficou à frente, mas não ganhou.
O regime
democrático é de maioria. Mas pode não ser necessária uma maioria de governo:
basta uma maioria de tolerância. Por isso, força política que, sendo a mais
votada, não tem maioria de governo, nem sequer maioria de tolerância, não
ganhou realmente coisa nenhuma. E, por isso, também é possível que um governo
seja liderado ou assumido por um partido que, embora não sendo o mais votado,
consegue no Parlamento uma maioria de apoio ou, ao menos, um quadro maioritário
de não obstrução e tolerância. Foi o que aconteceu na Assembleia da República
em 2015 e na Assembleia Legislativa Regional dos Açores em 2020. E é
inteiramente normal em todos os regimes com responsabilidade política
parlamentar dos governos.
Podemos,
assim, olhar para aqueles que têm de ser os objectivos políticos principais da
Aliança Democrática em 10 de Março. São dois: primeiro, conseguir que, à saída
das eleições, exista na Assembleia da República uma maioria parlamentar à
direita do PS; segundo, que o grupo da AD tenha uma liderança clara no espaço
desta maioria parlamentar à direita. Dizendo na inversa, os objectivos serão
estes: primeiro, que a actual maioria de esquerda perca as eleições, isto é,
que passemos a ter a esquerda em minoria; segundo, que o PS seja também
derrotado.
O primeiro
objectivo é absolutamente essencial: sem maioria à direita, qualquer resultado
da AD não serve para nada. Mesmo não sendo o maior partido, o PS sempre
encontrará modo de retomar o governo de esquerda, enquadrado por uma maioria de
esquerda. Mas o segundo objectivo também é importante, uma vez que a maioria à
direita de pouco servirá se não assegurar a governabilidade estável do país.
É preciso
termos consciência de que estes objectivos são difíceis, no quadro partidário
que se foi desenvolvendo desde 2019. Façamos um cálculo sobre o quadro de
partida para as próximas eleições, isto é, os resultados de 2022.
À esquerda,
foram eleitos 133 deputados, sendo 120 do PS. À direita, entraram 97 deputados,
sendo 77 do PSD. Olhando àqueles objectivos para 10 de Março, é preciso eleger
mais 19 deputados à direita, que passaria a 116. Ao mesmo tempo, a esquerda
baixaria para 114, perdendo 19 mandatos. Idealmente, esses 19 mandatos iriam
todos para a AD e seriam todos perdidos pelo PS. A AD somaria 96 mandatos e o
PS baixaria para 101 deputados. Ou seja, a AD alcançaria clara e forte posição
de liderança no espaço à direita do PS, mas, ainda assim, o PS seria o partido
com maior grupo parlamentar. Tudo o que for acima deste limiar, serão
importantes mais-valias. É por isso que importa trabalhar.
Digo isto,
como eleitor da AD, para que tomemos consciência da dificuldade em garantir os
objectivos essenciais de mudança política – nova maioria – e também quanto ao
peso político dentro desta mudança. Repito: é essencial derrotar a maioria de
esquerda e conquistar para a AD liderança destacada, que lhe permita governar
sozinha ou com escolha exclusiva dos apoios.
Tem sido
enternecedor ver o tango interpretado por PS e Chega na abordagem estratégica
das eleições e do quadro parlamentar que resultou de 2022, assim como do que se
prevê após 10 de Março. Na história do regime parlamentar, o PSD frequentemente
viabilizou o governo do PS em minoria, para que não estivesse nas mãos dos
partidos à sua esquerda – por vezes, também o CDS o fez. Seria natural, agora,
que o PS declarasse o mesmo e o fizesse. Não seria anormal, como José Luís
Carneiro declarou espontaneamente nas directas do PS e, depois, alguém o fez
calar. E, ao mesmo tempo, o Chega faz subir a parada, dizendo que fará cair um
governo em que não participe. Por isso, cabe obter de PS e Chega respostas a
estas duas perguntas:
1. Após
10 de Março, havendo maioria parlamentar à direita e apresentando-se a AD a
governar sem o Chega, agirá o PS para derrubar este governo, junto com o Chega?
2. Após
10 de Março, havendo maioria parlamentar à direita e apresentando-se a AD a
governar, sem o Chega, agirá o Chega para derrubar este governo, junto com o PS
e o resto da esquerda?
É o que ainda
nos falta saber de viva-voz. Contas certas, pratos limpos.
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