Navalny, herói do nosso tempo
A forma como
Vladimir Putin perseguiu e matou Alexei Navalny diz muito sobre a sua natureza
e o seu carácter. Friamente, metodicamente, cruelmente, dando ordens por detrás
dos muros e paredes do Kremlin.
Já depois de
várias perseguições pelo Estado russo, em Agosto de 2020, em Tomsk (sul da
Rússia), Navalny foi envenenado com Novichok – um “tempero” bem conhecido das artes dos
agentes do Kremlin. Teve de sair para a Alemanha para obter tratamento e
recuperar. Em Janeiro de 2021, voltou voluntariamente à Rússia.
Os últimos
três anos de vida de Navalny podiam fazer parte de “O Arquipélago Gulag”. O que
sofreu nestes três anos levou-me de volta ao livro famoso de Aleksandr
Solzhenitsyn, Nobel da Literatura 1970, em que narrou o Gulag, a
tristemente célebre rede de prisões e campos de trabalhos forçados da URSS. Além
dos criminosos, era aí que o regime comunista soviético enterrava, vivos, os
seus adversários políticos, às vezes em puro arbítrio instantâneo, outras vezes
após uma teia enredada de acusações e processos.
Navalny viu o
avião, em que (Janeiro 2021) regressava, ser desviado do aeroporto de Vnukovo
para o de Sheremetyevo. Foi preso no controlo dos passaportes. Posto em prisão
preventiva até ser presente a tribunal, por alegada violação da liberdade
condicional. Condenado anteriormente a uma pena suspensa, a pena é convertida
em prisão efectiva. Enviado para a colónia penal de Pokrok, sofre vários
problemas de saúde. Transferido para um hospital-prisão, enfrenta julgamento
por novas acusações, como “extremismo” e “terrorismo”. É transferido para a
prisão IK-6, de máxima segurança. É várias vezes colocado na solitária. Por
acusações como a de “reabilitar a ideologia Nazi”, é condenado a uma pena de mais
19 anos numa colónia penal de “regime especial”. É
transferido para a IK-3, de “regime especial”, em Kharp, em cima do Círculo
Polar Ártico – por sinal, um pouco mais a Norte. É aqui que, finalmente, o
mataram na passada sexta-feira, 16 de Fevereiro. A mãe ainda não conseguiu
receber o corpo para o funeral. Navalny, até depois de morto, continua preso,
às mãos do mesmo sistema político-penal que o matou.
Mal se soube
a notícia, escrevi isto nas redes sociais:
«A confirmar-se a notícia,
Navalny foi longamente assassinado por Vladimir Putin, ao fim de um sofisticado
e prolongado processo de cerco, perseguição e tortura.
Sentimentos de luto e de horror.»
E, à noite, partilhando um breve resumo da parte final da
vida de Navalny, apresentado pela SIC, escrevi ainda:
«Um herói. Este breve resumo do Jornal da Noite da SIC,
hoje, retrata isso mesmo: um herói.
No dia em que a Rússia for também uma democracia, com
liberdade e respeito dos direitos fundamentais para todos os russos, Navalny
será homenageado como herói nacional, referência forte, exemplar e identitária
para o povo russo.
Navalny, pela sua coragem, serenidade e bom humor, pela
fidelidade aos seus ideais, valores e princípios, é uma figura muito rara na
história da humanidade. Notável. Uma vida que valeu muito e que deixa um legado
inesgotável.»
À coragem de
que Navalny foi afirmação constante, Putin respondeu sempre de modo cobarde, urdindo
por detrás das paredes do Kremlin todo aquele “longo processo de cerco,
perseguição e tortura”. Depois do envenenamento, a captura, os julgamentos fantoches,
o encarceramento consecutivo e, enfim, a morte. O ditador suspira de alívio com
a morte da sua presa.
Navalny, que
irradiava energia e bom-humor diante da provação extrema, tem tudo para ser um
herói nacional dos russos de hoje. É preciso agir para que chegue o dia em que a
Rússia, vivendo em liberdade e em democracia, possa orgulhar-se publicamente
desta figura absolutamente ímpar do nosso tempo.
O meu colega
e amigo, João Luís Mota de Campos, exprimiu-se assim, também nas redes sociais:
«Alexei Navalny, 47 anos, marido, pai de dois, morto
pelo Kremlin nesta sexta-feira. Morreu um herói, um homem bom e
extraordinariamente corajoso.
Esta notícia chocou-me mais do que tudo o resto que
tenho visto nos últimos tempos. É todo o cinismo e o gangsterismo do império de
ladrões pós-comunistas à vista de toda a gente.
Penso que era Advogado e espero que a Ordem dos
Advogados Portugueses tome uma posição sobre isto.»
Sim, era
advogado. E é, na verdade, muito importante que a Ordem dos Advogados se
manifeste sobre esta perda e a forma terrível como acontece. Mais: o impulso da
nossa Ordem dos Advogados tem de ser o de juntar-se a todas as Ordens de
advogados no mundo para se manifestarem, todas elas – na Europa, em África, nas
Américas, na Ásia, na Oceânia – em homenagem à figura notável de Alexei
Navalny, cidadão e advogado.
Todos lhe
devemos isso. Que o seu sacrifício não seja em vão. Que o seu sacrifício não
seja abafado e esquecido.
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