O falso tabu do próximo Governo
Anda aí um
falso drama, em modo tabu, sobre a formação do próximo governo. A alegada
questão é esta: que faz Luís Montenegro, se Pedro Nuno Santos ganhar as eleições
em minoria? Apoia a formação de um governo PS?
E na recíproca: que faz Pedro Nuno Santos, se Luís Montenegro ganhar as
eleições em minoria? Apoia a formação do governo AD? Segunda-feira, no debate
entre os dois líderes, largos minutos voltaram a gastar-se com a questão de
interesse reduzido.
Cito o resumo
do Diário de Notícias, de anteontem:
«A novidade surgiu logo no início do
debate. “Se o PS não ganhar não apresentará moção uma moção rejeição nem
viabilizará uma moção de rejeição”, disse Pedro Nuno Santos, confrontado com o
cenário de um governo minoritário formado por Luís Montenegro.
Luís Montenegro, logo a seguir,
colocado perante a mesma pergunta, num cenário de ser o PS a formar Governo,
não respondeu. E deu assim pretexto a Pedro Nuno Santos o atacar precisamente
por não responder (o líder do PS chegaria depois a dizer que não responder
estava a ser a “marca” da participação do líder do PSD no debate.»
Esta
discussão, não me canso de o dizer, é um efeito arrastado do erro de leitura (sobretudo
à direita) das eleições legislativas de 2015, prosseguido pelo erro de leitura
(à esquerda) das regionais açorianas de 2020. Este erro contagiou a maioria dos
jornalistas e comentadores, que insistem em recolocá-lo em cima da mesa,
perturbando a análise da realidade. É ainda efeito de misturas subliminares
entre maioria absoluta e maioria relativa (coisas bem diferentes) e entre apoio
e viabilização (também bem diferentes).
Recapitulando:
para governar, não basta ser o mais votado, mas importa dispor de maioria
parlamentar de apoio ou, ao menos, de tolerância. Partido que ganhe eleições,
mas não disponha de maioria de deputados que consinta o seu governo, não
governará de todo. Partido nesta situação pode ter sido o mais votado, mas, de
facto, não venceu as eleições.
É assim em
todos os regimes em que o governo é de responsabilidade política do Parlamento.
E foi sempre assim em Portugal, desde 1976. Na legislatura da geringonça, em
2015, não houve realmente a menor novidade nesse plano fundamental de
enquadramento. Houve outras novidades, mas não nesse plano: a maioria de
esquerda resultante das eleições gerou condições de formação de um governo PS.
Nas eleições açorianas de 2020, ocorreu o mesmo: Vasco Cordeiro não venceu,
antes perdeu, as eleições; foi o mais votado, mas perdeu a maioria de esquerda
em que poderia enquadrar-se o governo minoritário; a maioria parlamentar à
direita gerou o governo PSD/CDS/PPM, com anuência parlamentar mais ampla. Nas
eleições de 2023 na Madeira, repetiu-se o mesmo: a coligação PSD/CDS ficou a um
deputado da maioria parlamentar, mas um deputado do PAN assegurou o apoio essencial.
Nas últimas eleições em Espanha, seguimos com intensidade o mesmo filme: o PP
“ganhou” as eleições, no sentido de ser o mais votado, mas, em rigor, nada
ganhou; a ausência de maioria parlamentar à direita do PSOE, impediu qualquer
governo à direita, mesmo com abstenção do VOX; uma rede complexa de acordos
políticos renovou as condições para o governo minoritário PSOE.
O quadro
objectivo para 10 de Março, coloca-se, muito simplesmente, assim: se houver
maioria parlamentar à direita do PS, deverá governar a AD; se houver maioria
parlamentar do PS com os partidos à sua esquerda, governará o PS. Ponto final.
A pergunta
insistentemente posta a Luís Montenegro sobre se “viabilizará” um governo do PS
em minoria é destituída de sentido. Se houver maioria à direita, o PS nunca
governará: a maioria de esquerda, existente desde 2015, terá perdido e,
democraticamente, o governo passará para a direita, previsivelmente a AD. Se
houver maioria à esquerda, governará o PS, sem precisar da AD para nada; a
esquerda disporia do apoio necessário: ou seja, Luís Montenegro nunca terá de
fazer o voto por que tanto lhe perguntam.
Perguntar-se-á:
a resposta de Pedro Nuno Santos, ontem, é inútil? Não, não é. É útil. Mas não
altera o que escrevo.
Havendo
maioria à direita, com a AD a liderar a votação, o normal é que vote a AD. O
cenário indica que poderá fazer acordo com a IL, mas não com o Chega. Ainda
assim, a normalidade política indicaria que o Chega, no limite, se abstenha,
não se juntando à oposição de esquerda para derrubar o governo. Se houvesse
derrube do governo AD, iríamos para novas eleições dirimir a teima. A
viabilização do governo pela abstenção do PS evitaria isto, em caso de bloqueio
pelo Chega. No passado, o PS beneficiou muitas vezes dessa tolerância à
direita, pelo menos até certa altura das legislaturas. Por isso, seria importante.
Mas, em si, não teria nada de novo.
José Ribeiro e Castro
Advogado e cidadão
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