Se…
Se as
eleições legislativas de 10 de Março se realizassem já de acordo com o figurino
de proximidade que a Constituição permite desde 1997, seriam sem dúvida mais atraentes,
mais autênticas, realmente democráticas. Seriam eleições à altura dos desafios
nacionais que pesam sobre o presente e o futuro próximo de Portugal.
Teríamos na
mesma um Parlamento proporcional ao peso das várias correntes políticas. Mas
não teríamos escolhido apenas o partido ou coligação, mas eleito também os
deputados: uns directamente escolhidos por nós, outros com influência marcante
na sua escolha. Teríamos, enfim, aquele Parlamento representativo por que tanto
ansiamos: verdadeiramente representativo, porque composto de deputados
representantes dos eleitores que os elegem, não só representantes dos chefes
que os puseram nas listas.
Na proposta
de reforma eleitoral que apresentei pela SEDES e pela Associação Por uma
Democracia de Qualidade (APDQ), não inventámos. Seguimos a Constituição. No
artigo 149.º, a Constituição permite à lei «determinar a existência de
círculos plurinominais e uninominais», em relação de «complementaridade,
por forma a assegurar o sistema de representação proporcional». Onde estão
os círculos uninominais? São-nos negados há 27 anos. E o mesmo artigo alvitra um
círculo nacional, inovação aberta desde 1989, que poderia corrigir distorções
na conversão de votos em mandatos, assim melhorando a proporcionalidade. Onde
está esse círculo nacional? É-nos negado há 35 anos.
De todas as
promessas políticas que nos têm sido feitas e não são cumpridas, esta é a mais
relevante. Porque tem a ver com a própria essência da democracia:
autenticidade, representação genuína, prestação de contas. Porque foi elevada à
Constituição e aí se mantém na prateleira. E porque é a chave para mobilizar de
novo os eleitores. Como querem os cidadãos a afluir às urnas, confiantes e
motivados, se lhes furtamos o sentido principal do seu voto? Se prometemos e
não damos.
Se já tivesse
sido adoptada a reforma eleitoral que propusemos à Assembleia da República em
2019, estaríamos, agora, em 105 círculos uninominais, a seguir com todo o
interesse as campanhas e os debates dos candidatos individuais dos partidos e
coligações nesses 105 territórios de proximidade. Fazendo uso do duplo voto
(voto na lista das forças políticas e voto no deputado de proximidade), escolheríamos
o nosso deputado. Poderíamos eleger 105 “nossos deputados” (ou deputadas). E
estes entrariam, com prioridade de eleição, no conjunto dos 210 deputados
eleitos dentro da proporcionalidade definida pela votação nas listas
plurinominais. No fim, o círculo nacional iria repescar, dentro das
percentagens de cada partido ou coligação, os 15 mais votados ainda não
eleitos, assim consolidando a proporcionalidade. E, dias depois, como hoje,
viriam os quatro da emigração. O Parlamento seria mais democrático e mais
representativo, mais próximo de nós. A 10 de Março, não votariam só 50% dos
eleitores ou pouco mais. Iriam votar, com refrescado entusiasmo e revigorada
esperança, 70% ou 80% dos cidadãos.
Hoje, a que
está reduzida a campanha eleitoral? Estamos a ver: a campanha resume-se aos
líderes nacionais dos partidos e coligações, com as câmaras de televisão atrás.
E os debates, o que são? Temos visto: os líderes nacionais dos partidos e
coligações, nas televisões nacionais, rodando sucessivamente uns contra os
outros. Os outros 229 candidatos a deputado por partido ou coligação é como se
não existissem. Às vezes, nos círculos distritais e regionais, os
cabeça-de-lista ainda conseguem alguma visibilidade limitada, mas o anonimato
mantém-se para os demais. É este sistema que foi gerando desinteresse crescente
dos eleitores – e não é caso para menos. Como nos irão prestar contas, se não
se comprometem em diálogo próximo com os eleitores? Como iremos confiar, se realmente
não os conhecemos?
Dêem-nos a reforma eleitoral da representação proporcional personalizada. Queremos democracia da cidadania. Dêem-nos democracia de qualidade.
José Ribeiro e Castro
Advogado e cidadão
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