Não se deseja a ninguém um resultado destes
«O general é sabedoria, fiabilidade, coragem e
rigor.»
SUN TZU, A
Arte da Guerra (séc. V a.C.)
S |
alvo Chega
e Livre, ninguém tem razões para estar satisfeito com o que as eleições
de 10 de Março lhe deram. Só os inconscientes. Para vários, a dose foi pesada,
mas mesmo aqueles a que oportunidade pareceu sorrir têm motivos de preocupação.
Olhando aos
premiados, o Chega, sem ter vencido, festejou à campeão. Manteve-se
terceiro, resistiu ao voto útil, superou um milhão de votos, quadruplicou os
deputados. Invejável proeza – ou temível. Resta saber o que fará com este
resultado. O discurso mantém-se de pressão e ameaça, indo na onda e com
repentes. Não pode ter-se a certeza do que fará exactamente. Continua em modo
“um dia de cada vez”: hoje é assim, amanhã logo se vê. Só é previsível a
imprevisibilidade. Normalmente, o eleitorado conservador não gosta do
imprevisível. Mas, no caso de André Ventura, junta-se ao eleitorado mais
radical, porque a imprevisibilidade integra a dinâmica demolidora que apreciam (“ele
é que dá cabo deles todos”) e integra o mito que fascina os seguidores.
O Chega
obteve enorme força de condicionamento e poderá acabar com a legislatura em
qualquer momento, mandando-nos de novo para eleições. Mas, como não pode
fazê-lo sozinho, mas apenas junto com a esquerda, terá de escolher o momento e o
contexto adequados a não pagar um preço político elevado. É difícil um governo
minoritário durar toda a legislatura (só Guterres o conseguiu, em 1995/99), mas
quem o derrube pode pagar o preço do aventureirismo e da irresponsabilidade.
O Chega
surpreenderá, se avançar com propostas de reformas, bem pensadas e
fundamentadas, em áreas de relevância política, que, mesmo rejeitadas, o fariam
subir para outro campeonato – e, então, aspirar a mudar o jogo. É o único que pode
creditar o seu futuro, ou com ar de governo, ou oposição. Mas é difícil articular
uma linha de proposta responsável com o discurso estouvado de protesto global, intrinsecamente
irresponsável.
O Livre
também pode reclamar-se de ter multiplicado por quatro os deputados, mas está
num patamar diferente. É o único que cresce entre os pequenos partidos, assim
como entre os outrora grandes (PCP) ou médios (BE), que, agora, também são pequenos.
Deve-o à linha original definida por Rui Tavares, à sua persistência e ao seu
estilo. Tem, diante de si, o desafio da consolidação da inconfundibilidade e do
seu lugar.
O ADN foi o
improvável sortudo, ao receber 90.000 votos que seriam da AD. Irá beneficiar de
340.000 euros de subvenção anual. Mais uma anedota para o nosso Anuário
Político.
A |
AD foi a vencedora: mais votos, maior
percentagem, mais deputados eleitos – tudo num quadro de folgada maioria à
direita, que derrotou categoricamente o PS e a esquerda, fazendo impossível um governo
de esquerda. Em suma, a mudança.
A vitória é
de Luís Montenegro. Desmentiu os cépticos profissionais: definiu uma estratégia
aberta, generosa e integradora no espaço político a que se dirigia, esteve em
geral por cima nos debates, convidou todos os antigos líderes do PSD e outras
figuras, subiu sempre desde a pré-campanha, superou embaraços, foi afinando o
discurso e terminou em alta. Na noite eleitoral, todos acreditaram na linha
superior das sondagens à boca das urnas, que davam 32% a 33% - e, no íntimo,
adivinharam mais. Montenegro fizera por isso.
A realidade resultou
bem apertada, com muitas incertezas, quando falta apurar quatro deputados. Mantendo
a AD mais deputados e cabendo-lhe governar, o acordo com a IL será coerente;
mas não garantirá tranquilidade. A realidade seria bem melhor, não fosse o
desvio de votos para o ADN, o que, pelos números, daria mais 3 deputados à AD,
menos 2 ao PS e menos 1 ao Chega. AD e IL somariam mais que toda a
esquerda, numa relação 90/89 deputados. Mas não é assim, antes 87/91. O “pormenor”
que faz enorme diferença.
O governo, em
quadro um pouco similar a Cavaco Silva, em 1985/87, estará sob pressão e muita
dificuldade para passar legislação: mesmo que o Chega propenda a
abster-se, um governo AD+IL poderá ser derrotado pela esquerda. O governo pode apostar
na acção executiva mais do que em medidas legislativas, o que pode ser bom: há
sectores que requerem muito mais ser bem geridos, melhorar a qualidade de
desempenho e ser eficientes do que de novas leis ilusórias. A tarefa, todavia, não
será nada fácil. Face aos altos riscos, a IL pode querer ficar de fora, tornando
mais duro o desafio para a AD.
Os partidos
da AD vivem uma crise que não se alterou e vem de trás, em baixa desde 2015. Uma
das causas foi a leitura incorrecta dos resultados eleitorais de 2015,
inspirando uma narrativa errada que persiste, confunde e prejudica. E há erros
de orientação geral que favorecem o crescimento do Chega, largando
espaço que este ocupa. As dificuldades previsíveis deste ciclo não darão tempo,
nem espaço para cuidar dos problemas internos. Mas podem constituir, se bem
enfrentadas e vencidas, o ambiente propício para superar de vez aqueles
problemas.
Li
comentários de a fórmula “não é não”, repetida por Luís Montenegro, ter
sido um “erro” e prejudicado a AD. Nada disso. Há coisas que são ditas não por
táctica, mas porque se acredita e quer. Montenegro teria vida negra se o não
fizesse. E, se tivesse dito ou sugerido coligação com o Chega, é quase certo
que a AD teria sido suplantada. O Chega é voraz. Não é fascista, insulto
estafado que nada significa. Mas cultiva vários outros problemas.
N |
o CDS, a
campanha não teve esforço sensível de mobilização. Há quem me pergunte por que
não apareci na campanha. Estive na imprensa, na rádio e na televisão, por mim
próprio. Na campanha, a direcção do CDS não quis que eu estivesse. Foi só isso.
Ao contrário do PSD, Nuno Melo e Paulo Portas (em modo chairman) decidiram
excluir dois antigos líderes: eu próprio e Francisco Rodrigues dos Santos.
Com a
campanha já ao rubro, surpreendeu-me que o CDS reunisse o Conselho Nacional na
véspera do início oficial, para convocar o Congresso para Abril. E, a 6 de
Março, a meio da última semana de campanha, convocou a eleição de delegados. Não
me lembro de alguma vez isto ter acontecido – normalmente, havendo eleições, está-se
totalmente mobilizado para estas, desligando-se da agenda interna. Se este afã
tivesse sido concentrado em mobilizar a sério estruturas e todos os militantes
para contrariar a confusão entre AD e ADN, teria contribuído para impedir ou minorar
um dano tão severo. É tudo uma questão de prioridades e de foco. Foi provavelmente
essa baixa concentração que levou a que as mais noticiadas intervenções do Presidente
do CDS tenham sido “o deslize de Nuno Melo”, na pré-campanha, e duas gafes, na
campanha.
É positivo
que o CDS volte a ter deputados, cabendo agradecer ao PSD a generosidade com
que concebeu esta AD. Mas é pena que a direcção do CDS, na sua ideia de um
partido exclusivo e pendurado do tecto, não organizasse o trabalho político por
forma a contribuir para melhor resultado e mais favoráveis condições políticas.
Deu ideia de ir à boleia. O país ficou lesado. E o CDS obteve menos do que
queríamos, ficando longe dos 4, ou 6 deputados que, sem ninguém pedir, o líder
acenou, aquando do acordo das listas.
Lendo os
números, a AD obteve 29,5%. Em 2022, somando as parcelas, obtivera 30,7%, em
termos homólogos. Ou seja, sendo verosímil o PSD ter assegurado, agora, 29
pontos percentuais (no mínimo, 28,5), o CDS terá pesado o equivalente a 0,5 ou 1,0
(menos, se ponderarmos o PPM) – abaixo dos 1,6% de Francisco Rodrigues dos
Santos (sem considerar a quota nas AD insulares). A opção pela AD foi, sem
dúvida, o caminho correcto. E o CDS está presente na mudança. Se, em 2021, alguns
no CDS não combatessem a AD ferozmente e Rui Rio não acabasse por a recusar, o
país teria poupado os últimos dois anos.
Não há grandes
razões para festejos exuberantes, mas muita responsabilidade. E também alguma
modéstia, que sempre ajuda ao trabalho fecundo. Há muito a fazer. E, quando o
Presidente do CDS, Nuno Melo, repuser, nas paredes da Assembleia da República,
a placa com o nome do CDS, como se farta de anunciar, até em programa
humorístico, é de fazer votos de, ao menos interiormente, penitenciar-se da
parte de leão que, junto com os que o acompanharam na rebelião permanente de
2021, teve no facto de a placa dali ter saído. Tão enérgicos em derrubar a
direcção eleita, bateram com demasiada força. Adiante.
Os tempos pedem
imaginação, fidelidade e propósito, coesão, militância e generosidade, iniciativa,
foco e ambição nacional. É o que deve guiar a coligação e cada parte. O CDS não
pode agir na AD, como Paulo Portas fez com Pedro Passos Coelho.
O |
facto mais importante das eleições foi a
derrota estrondosa da esquerda. Passou da maioria de esquerda à minoria de
esquerda. Sem a emigração, eram 130 deputados, agora caíram para 91. A esquerda
perdeu 39 deputados, uma variação de menos 43%. Castigo severo.
Há muito que
não se via coisa assim, sob vários ângulos. Só escapa (bem) o Livre e
(mal) o Bloco, que se aguenta, nos mínimos do grande tombo em 2022. O mesmo
aconteceu ao PAN, com um só lugar. E o PCP prosseguiu a queda contínua desde
2015: 17, 12, 6, 4 deputados. A súbita agitação sonora do BE e do PCP para
agitar já as águas, quando nem todos os votos se contaram, nem a Assembleia
abriu, é isso mesmo: buzinadelas contra a irrelevância: “pi-pi-pi-piiii”.
Ora, vivam! É preciso mais do que buzinadelas.
O caso mais saliente
é o PS, cujo resultado fica ao nível de 2011, quando, depois de ter cavado a
bancarrota, nos entregou a todos à troika. Abaixo da fasquia de 30%, o
resultado de 28,7% é ainda ilusório, por incluir muito “voto útil”, insistentemente
convocado. Vai demorar a dissipar-se o espanto sobre como os socialistas jogaram
fora, em menos de dois anos, uma maioria absoluta. Nunca houve, creio, outro
caso assim no mundo com uma maioria monopartidária.
Nem se venha
com o último episódio judiciário. A maioria alcançada por António Costa era
escangalhada por dentro, como há um ano já comentei em artigo: Ou é
caruncho ou formiga branca. O PS, que revela sérios problemas
estruturais – colados e disfarçados com o bálsamo do poder –, pode vir a
ressentir-se muito da perda da maioria e do governo, como um tecido muito coçado
que, de repente, esgaça.
Reclamando a liderança
da oposição, a vida também não está fácil para os socialistas. Idem para o
conjunto da esquerda. Mas podem fazer muito dano, se o Chega os ajudar.
Não é desejável, nem natural que o faça.
O |
s tempos mostram-se
muito exigentes para todos – é o mínimo que pode ser dito. Convocam patriotismo
e sentido democrático. Porém, objectivamente, as forças parecem alinhadas à
esquerda e à direita para a desforra ou uma 2.ª mão. É mau: a política não é
futebol. Era bom que todos os partidos parassem para pensar.
As próximas
etapas, ainda definidoras políticas deste ciclo, serão: (1) a votação do
Programa do Governo Regional dos Açores e sua sequência; (2) a contagem dos
votos dos círculos da emigração, nas eleições de 10 de Março; (3) a eleição do
Presidente da Mesa da Assembleia da República; (4) a formação do novo
Governo e sua investidura parlamentar; (5) as eleições europeias. Antecipamos
facilmente as respectivas incertezas.
Razão teve
Marques Mendes, ao comentar a quente, logo na incerta noite eleitoral: «Saio
desta noite profundamente preocupado e a vaticinar que vamos ter novas eleições
legislativas em Janeiro ou Fevereiro do próximo ano.»
José Ribeiro e Castro
Advogado e cidadão
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