Comemorar os 900 anos de Portugal, como deve ser
Quando aconteceu a eliminação do feriado nacional do 1.º de Dezembro e a
luta que animei, primeiro, para não ser eliminado e, depois, para ser reposto,
fui várias vezes confrontado com este argumento: «Ah! O 1.º de Dezembro não é
assim tão importante. Portugal é muito mais antigo do que 1640.» O facto é
verdadeiro e ninguém o negou alguma vez. Não prova o que se pretende com a
afirmação. Em rigor, até prova ao contrário.
Podemos pôr-nos esta pergunta: quando a sociedade portuguesa, no final do
século XIX, se mobilizou em torno do valor da independência para afastar o
iberismo, por que razão foi buscar o 1.º de Dezembro e não uma data da fundação
de Portugal? Coloquei-me essa questão e encontrei estas possíveis respostas:
uma, o 1.º de Dezembro era uma data mais próxima, talvez ainda fresca na
memória colectiva; outra, era uma data mais tensa, por se tratar da recuperação
da independência na única vez em que a perdêramos; e outra ainda, era difícil
escolher uma só data na fundação de Portugal.
Na verdade, não há um só, mas quatro marcos relevantes no nascimento de
Portugal: a batalha de São Mamede (1128), a batalha de Ourique (1139), a
conferência de Zamora (1143) e a bula Manifestis probatum (1179).
A data mais referida é, usualmente, a de 1143, como também aprendi na escola. (Há
quem diga que foi a data escolhida pelo Estado Novo.) Aprendi quando ainda se
falava no Tratado de Zamora. Hoje, fala-se menos no “tratado”, porque, ao que
parece, ninguém o viu. E fala-se mais de “conferência”, porque, não pondo em
causa a substância dos acordos entre D. Afonso Henriques e Afonso VII, de Leão,
tudo poderia ter-se estabelecido, não por escrito, mas oralmente, em
conversações realizadas em 4 e 5 de Outubro de 1143. Porém, sendo muito importante
o que se passou em Zamora, os outros marcos não deixam de ser também decisivos
e determinantes para a fundação: em São Mamede, Afonso Henriques resgata das
mãos da mãe o governo do condado Portucalense, que viria a ser, após 1143, o
Reino de Portugal; em Ourique, Afonso Henriques alcança uma vitória
extraordinária sobre “cinco reis mouros”, que projecta o seu prestígio pelos
reinos cristãos na Europa; e, pela bula do Papa Alexandre III, o nosso Rei vê a
independência de Portugal finalmente consagrada na ordem internacional.
Ao olharmos este tema tão importante – caramba! é a comemoração dos 900
anos do nosso país –, a questão que se põe é esta: vamos ficcionar um só dia
mágico? Ou vamos evocar e celebrar os factos como foram? Portugal não nasceu da
forma que, por vezes, observamos nos nossos dias: juntam-se forças militares em
parada, diante de um mastro de bandeira; vem uma equipa militar da potência
ocupante e arreia a sua bandeira; vem outra equipa militar do novo Estado e iça
a sua bandeira; toca o hino deste; e já está. Como é óbvio, na Idade Média, a independência
não se adquiria assim. Nem num só dia, nem num só ano. Era um processo. O
processo do nosso Reino de Portugal foi aquele: 1128-1139-1143-1179. E é esse
processo que devemos mostrar, contar, explicar, entender.
Na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, defendemos que não
devemos repetir o modelo seguido no século XX, do chamado “duplo centenário”, em
que se concentrou no mesmo ano, 1940, o 3.º centenário da Restauração (1640) e
o 8.º centenário da Fundação (numa bissectriz abstracta em 1140). Aderindo à
real realidade, queremos seguir a ideia de “50 anos para celebrar 900”, com
tempos comemorativos mais intensos em torno daqueles marcos: 2026-2031
(cobrindo São Mamede, a ida de Afonso Henriques para Coimbra e a fundação do
Mosteiro de Santa Cruz); e 2039-2043 (desde Ourique a Zamora) – e, quanto ao
fecho em 2079 (bula papal) ou 2085 (morte de Afonso Henriques), quem cá estiver
que programe e organize como melhor entender.
Este tipo de distribuição temporal cobre de forma adequada a evocação do
processo por que nasceu Portugal. É a estratégia adequada para beneficiar mais
amplamente do espírito positivo que jorra de um facto tão raro e tão positivo
quanto é festejar 900 anos. E define-se uma janela (2028-2079), dentro da qual,
com o mesmo selo dos 900 anos, podem ser comemorados outros centenários de
factos relevantes para a definição do território e das fonteiras, a língua e a
cultura, a identidade portuguesa, a projecção internacional, a nacionalidade. Será
também para todos um regresso festivo à história.
Acreditamos que retiraremos deste tempo largo, bem gerido e pausado,
efeitos muito positivos e inspiradores para o espírito coletivo dos portugueses
e para prestígio externo de Portugal. Já temos uma Comissão Executiva constituída,
presidida pelo Prof. João Paulo Oliveira e Costa e com professores de todas as
Universidades. E temos um projecto distinto chamado “Forais da Fundação,
Municípios de Portugal”, virado especificamente para os concelhos mais antigos
do país, contemporâneos do nascimento de Portugal, que irão dizer, no ano de
cada um: «As terras que fizeram Portugal já estão a festejar 900 anos.»
Estamos prontos a começar. E vamos começar já em 2025, em Zamora, a assinalar
os 900 anos de um primeiro pequeno grande feito do ousado infante Afonso
Henriques.
José Ribeiro e Castro
Advogado e cidadão
SOL, 21.Junho.2024
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