Portugal devia reconhecer a posse espanhola de Olivença? NÃO.

 

Estava Olivença posta em sossego, quando, a 6 de Junho, Rodrigo Tavares repôs na mesa a tese espanhola. A minha resposta é não: de maneira nenhuma. A nossa posição não está à venda por uns dinheiros ou favorzinhos. Além disso, seria crime e inconstitucional.

O autor listou tratados e habitantes, chamando até os árabes à contenda. E porque não visigodos, romanos, celtas, lusitanos? É preciso ordem na questão. Olivença não existia antes da Reconquista. Surgiu em terras conquistadas por portugueses e por leoneses. Estabilizada a posse cristã, os reis de Portugal e de Leão, acordaram, em Alcanizes, a fronteira de Riba Côa ao Alentejo. Desde 1297, Olivença é portuguesa. A disputa só existe, porque Espanha violou o tratado em 1801, ocupou Olivença à força e aí mantém autoridade.

Na lista, Rodrigo Tavares cita o Tratado de Fontainebleau. Paremos aqui. É o tratado mais velhaco da nossa história. Retrata a selvajaria europeia ao tempo das guerras napoleónicas, de que a Guerra das Laranjas fora já manifestação. É da mesma estirpe do Pacto Molotov-Ribbentrop, de 1939. Nele, as autoridades espanholas e francesas pactuaram a conquista de Portugal, dividindo-o entre si e mais uns amigos. Nunca se aplicou, porque perderam. Mas ostenta tamanha falta de pudor, que apagou da ordem internacional os tratados de 1801 sobre Olivença, onde espanhóis e franceses tinham prometido a Portugal paz e protecção.

Para as coisas andarem, defini a tese do “território português sob administração espanhola”. O meu discurso na Assembleia da República, em 2015, é público. Esse é o movimento principal para Portugal. Espanha não o reconhecerá; mas não dependemos disso. A Portugal basta afirmar a posição que permita trabalhar com as autoridades espanholas que administram Olivença, sem pôr em risco a posição portuguesa à luz do direito internacional – Alcanizes e Viena.

Portugal nunca fez mal a Olivença e aos oliventinos. De Godoy não pode dizer-se o mesmo. Gosto genuinamente dos oliventinos, falem espanhol ou português – me da igual. Percebo por que é assim; e como foi. Não quero guerra por causa de Olivença. E não devemos precipitar-nos. A história pede tempo e sedimentação. A poesia de Sá de Miranda bebia num ideal de aurea mediocritas (Horácio). Em Olivença, podemos falar de uma “suave ambiguidade”. Além do património histórico de matriz portuguesa, o que é que faz Olivença atractiva? É essa ambiguidade. Sem ela, seria Alandroal ou Alconchel.

Desde que abri a via para os oliventinos acederem também à nossa nacionalidade nos termos da lei, os processos rolam desde 2012 e 2014, graças aos oliventinos da Além-Guadiana. Os números indicam já mais de 3.000 cidadãos. E a actividade bicultural é muito intensa. Deixemos trabalhar o tempo e a liberdade da gente. O facto de não haver marcos nas fronteiras de Olivença e a forma como isso aconteceu tem grande beleza e muita sabedoria: antes de haver União Europeia, já Olivença era terra franca. Deixemos assim. Não marremos com as fronteiras. E não nos preocupemos demasiado com Espanha. Azucrina-se tanto com Gibraltar, que bem podia lembrar-se de Olivença.


José Ribeiro e Castro
Advogado e cidadão

EXPRESSO, 21.Junho.2024


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